Princípio de 2010. Ainda mal acabara a época consumista da quadra natalícia, aproveitada pelo meio editorial para os lançamentos das mais retumbantes novidades literárias em carteira, após o aquecimento outonal pós-férias, e já se anunciavam as obras que, com as andorinhas (e insisto nisto, com os malfadados pólenes, que enfraquecem, pelo sofrimento, a minha certeza sobre a necessidade desta passagem terrena), chegariam aos escaparates das nossas livrarias. Um dos anunciados e mais aguardados era o mais recente romance do escritor irlandês (publicado em 2009), muito aqui da casa, Colm Tóibín, Brooklyn, sob a chancela da Bertrand.
Aguardei pelo dia 21 de Maio. Comprei o livro. Deixei de lado as potencialmente distractivas leituras paralelas. Encetei a leitura e no dia seguinte agarrei-me de novo aos livros que abandonara. Fosse eu presidente do Supremo Tribunal de Justiça e dir-vos-ia que li Brooklyn às “bochechas” – expressão que zarpará, pela força do consuetudinário, do idiolecto da quarta figura soberana da nação rumo à riqueza semântica da língua portuguesa –, enfastiado, a espaços nauseado pelo descomedimento melodramático, que, em suma, mereceu três estrelas no meu guia bibliófilo de novidades literárias, não só pelos laços afectivos que criei com o autor através da leitura das suas obras, que não se dissolvem por um ou dois desatinos ou delírios literários do autor (o número reduzido dá-me esperanças de uma brevíssima transitoriedade do novo estilo), mas também porque a estrutura de base do romance em causa não me deixou de todo desconfortável; o problema está no seu enchimento, mera adiposidade soberanamente viscosa – e a capa da edição portuguesa em nada auxilia o conteúdo (na imagem) –, que o autor, sobretudo, do extraordinário O Mestre (The Master, 2004), mas também de A História da Noite (The Story of the Night, 1996) e de O Navio-Farol de Blackwater (The Blackwater Lightship, 1999), não habituou o seu leitor indefectível.
Curiosamente, com Brooklyn, Tóibín venceu o Costa Novel Award de 2009 (antigo Whitbread) e foi semifinalista (entre 13 romances) do Booker Prize de 2009.
Por publicar em Portugal continua o seu livro de contos, editado originalmente em 2006, Mothers and Sons, que, a demorar mais um pouco, levar-me-á à derrogação do meu (questionável) critério de só ler em português*, fundado na leitura como eminente exercício de prazer.
Bom, regressei com deleite e alívio ao ziguezaguear de Vila-Matas, e aos ensaios de inexequibilidade político-filosófica de Orwell na sua última colectânea editada entre nós pela Antígona.
Nota: *Por vezes um masoquismo, que no caso em apreço, se elevou ao paroxismo do martírio de São Sebastião, mas com os fácies sereno de Botticelli (talvez pelo conhecimento que advém do efectivo não cometimento de um erro de sintaxe), mas que, na verdade, tira a paciência a um santo: refiro-me à locução verbal “deve de ser”, repetida amiúde e sem melindre no texto traduzido.
Referência bibliográfica:
Colm Tóibín, Brooklyn. Lisboa: Bertrand, Maio de 2010, 253 pp; traduzido por C. Santos (não, não se trata do concessionário da Mercedes-Benz em Portugal); obra original: Brooklyn, 2009
Colm Tóibín, Brooklyn. Lisboa: Bertrand, Maio de 2010, 253 pp; traduzido por C. Santos (não, não se trata do concessionário da Mercedes-Benz em Portugal); obra original: Brooklyn, 2009