quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Of Rats and Men*

«Os ratos são quase tão fecundos como os germes. […] Crescem rapidamente e são capazes de procriar desde os quatro meses de idade […] um rato de quatro anos é mais velho do que um homem de noventas anos. “Os ratos que sobrevivem além dos quatro anos são dos bichos mais sabidos e mais cínicos que há à face da terra. […] Uma ratoeira não é nada para eles, por mais habilmente que tenha sido montada. […] são capazes de detectar um isco envenenado a um metro de distância. Estou convencido de que alguns deles sabem ler.»**
Joseph Mitchell, O Fundo da Baía, “Ratos da Beira-Rio”, pág. 80.

Zbigniew HerbertÉ curioso que as usem como cobaias para proteger e perpetuar uma espécie cujo código genético lhes é tão familiar. Tão idiossincraticamente familiar. Tão indistintamente próximo. Uma turba de roedores parasitários que dão abrigo a outros parasitas mais insignificantes, alguns verminosos, pegajosos, escorregadios ou estaladiços. Uns papa-hóstias, outros pedreiros livres, outros ainda materialistas dialécticos, anarcas, conservadores, neoconinhas, comichosos, ranhosos e bexigosos… e no entanto, todos roem. São os patrulheiros do sectarismo, mais reaccionários que os patrulhados. São os do pensamento único, intolerantes à diferença, travestidos de defensores da moral pública ou da liberdade de expressão; dos direitos liberdades e garantias; da sociedade civil; da liberdade, da igualdade e da fraternidade; das mãos limpas; da puta que os pariu; são, enfim, todos tão lúcidos e esclarecidos, sapientes e eruditos… foda-se, até citam nomes e textos, amalgamas de letras subitamente dotadas de vida e por isso sujeitas às mais do que necessárias distorções; tantas fontes, que não há sede que resista; arremessam-nas e esperam pela resposta. Acordam de manhã e cagam filósofos, políticos, escritores. Estão convencidos da clarividência do seu pensamento, de possuírem a mais preclara das cabeças – trabalhassem mais com as de baixo, estariam aquelas menos poluídas. Boçal, eu?
Ah, e que bem dizia Pessoa, transformado em Bernardo Soares – epígrafe do meu anterior blogue… cito, corto e colo… tanta lucidez, ou convencimento dela… perdi para sempre a segura certeza da lucidez da minha lucidez.

A minha divisa passou a ser a ratazana…

Cito, sem pruridos sectários, o grande poeta polaco Zbigniew Herbert, via DeLillo (o meu Nobel***):

Too old to carry arms and fight like the others—

they graciously gave me the inferior role of chronicler
I record—I don't know for whom—the history of the siege

I am supposed to be exact but I don't know when the invasion began
two hundred years ago in December perhaps yesterday at dawn
everyone here suffers from a loss of the sense of time

all we have left is the place the attachment to the place
we still rule over the ruins of temples specters of gardens and houses
if we lose the ruins nothing will be left

I write as I can in the rhythms of the interminable weeks
monday: empty storehouses a rat became the unit of currency
tuesday: the mayor murdered by unknown assailants
wednesday: negotiations for a cease-fire the enemy has imprisoned our messengers
we don't know where they are held that is the place of torture
thursday: after a stormy meeting a majority of voices rejected
the motion of the spice merchants for unconditional surrender
friday: the beginning of the plague saturday: our invincible defender
N.N. committed suicide sunday: no more water we drove back
an attack at the eastern gate called the Gate of the Alliance

all of this is monotonous I know it can't move anyone

I avoid any commentary I keep a tight hold on my emotions I write about the facts
only they it seems are appreciated in foreign markets

yet with a certain pride I would like to inform the world
that thanks to the war we have raised a new species of children
our children don't like fairy tales they play at killing
awake and asleep they dream of soup of bread and bones
just like dogs and cats

in the evening I like to wander near the outposts of the City
along the frontier of our uncertain freedom
I look at the swarms of soldiers below their lights

I listen to the noise of drums barbarian shrieks
truly it is inconceivable the City is still defending itself
the siege has lasted a long time the enemies must take turns
nothing unites them except the desire for our extermination
Goths the Tartars Swedes troops of the Emperor regiments of the Transfiguration
who can count them
the colors of their banners change like the forest on the horizon
from delicate bird's yellow in spring through green through red to winter's black

and so in the evening released from facts I can think
about distant ancient matters for example our
friends beyond the sea I know they sincerely sympathize
they send us flour lard sacks of comfort and good advice
they don't even know their fathers betrayed us
our former allies at the time of the second Apocalypse
their sons are blameless they deserve our gratitude therefore we are grateful
they have not experienced a siege as long as eternity
those struck by misfortune are always alone
the defenders of the Dalai Lama the Kurds the Afghan mountaineers

now as I write these words the advocates of conciliation
have won the upper hand over the party of the inflexibles
a normal hesitation of moods fate still hangs in the balance

cemeteries grow larger the number of defenders is smaller
yet the defense continues it will continue to the end
and if the City falls but a single man escapes
he will carry the City within himself on the roads of exile
he will be the City

we look in the face of hunger the face of fire face of death
worst of all—the face of betrayal

and only our dreams have not been humiliated

Zbigniew Herbert (1924-1998), Report from the Besieged City, 1982 (tradução do polaco por Bogdana Carpenter e John Carpenter)****.


Notas:
*Com a cortesia de Steinbeck e da sua obra Of Mice and Men (1937).
**Referência bibliográfica completa: Joseph Mitchell, O Fundo da Baía, “Ratos da Beira-Rio”. Porto: Ambar, 1.ª edição, Março de 2007, 219 pp. (tradução de José Lima; obra original: The Bottom of the Harbor, 1960; Capítulo: “Os Ratos da Beira-Rio, “The Rats of the Waterfront”, crónica publicada, sob outro título, na revista The New Yorker, Maio de 1944).
***Pronto, revelei. E desta já não posso fugir.
****No caso de haver tradução portuguesa, comunicar à redacção, obrigado.

1 comentário:

Anónimo disse...

PRIX GONCOURT 2007

A lista dos finalistas do 'Prix Goncourt 2007' é anunciada a 25 de Outubro, em Paris, pelo júri do mais prestigiado prémio literário francês, promovido pela Académie Goncourt. O prémio tem um valor monetário de apenas 10 euros mas a projecção e prestígio da sua atribuição é imensamente superior.

As quatro obras de ficção finalistas foram seleccionadas, de uma lista de 14 candidatos, por um júri de 10 escritores, presidido pela escritora Edmonde Charles-Roux. Como é da tradição, o vencedor do prémio será anunciado no início de Novembro, no salão 'Goncourt' do restaurante 'Drouant', em Paris.

"Le 'Prix Goncourt' continue de passionner les Français."
Bernard Pivot, jornalista e crítico literário

SELECTION DU PRIX GONCOURT 2007 – ROMANS
'A l'Abri de Rien' Olivier Adam (L'Olivier)
'Le Rapport de Brodeck' Philippe Claudel (Stock)
'Tom est Mort' Marie Darrieussecq (P.O.L.)
'Le Canapé Rouge' Michèle Lesbre (S.Wespieser)
'La passion Selon Juette' Clara Dupont-Monod (Grasset)
'Alabama Song' Gilles Leroy (Mercure de France)
'Ni d'Eve ni d'Adam' Amélie Nothomb (Albin Michel)
'Portrait de l'Écrivain en Animal Domestique' Lydie Salvayre (Seuil)


CR