quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Norte

Para ser sincero, reconheço e difundo que começo a ficar cansado – já lá vão os tempos da fúria incontida – do processo de lisboetização, à laia da boa cartilha maoísta, do todo nacional, como arquétipo do português escorreito, urbano, cosmopolita e civilizado.
Nada me move contra Lisboa. Parte da minha família aí nasceu e há outra parte que a elegeu como residência definitiva.
Não entrando em considerações puramente estéticas, já que, desde pequeno, a luz natural da Capital provoca em mim um deslumbramento que dificilmente encontrarei noutras cidades espalhadas por esse mundo fora, Lisboa cada vez mais assume o papel de eucalipto implantado na, há muito, angustiante aridez de um país de desequilíbrios gritantes. Não falo apenas na questão do desenvolvimento económico assimétrico, a nossa capital centralista – talvez, por bondade, excessivamente protectora dos seus filhos – vai-se solidamente constituindo como um sorvedouro de recursos culturais e tecnológicos. Não há iniciativa no resto do país sem o seu aval. Não se vislumbra o sucesso, ou pelo menos não se o obtém com a mesma facilidade, sem uma passagem pelo crivo lisboeta marcadamente elitista. Deu-se a fuga das empresas, como que atraídas pelo magnetismo emanado pela fonte de poder, fugiram os cérebros, fugiram os capitais e por aqui vão resistindo alguns teimosos.

Tudo o que vem do Norte é boçal, provinciano, falaz, corrupto e sem algum tipo mérito. E se sucesso se lhe reconhece, ele apenas se deve ao trabalho infantil; ao tráfico de influências, drogas, armas, carne branca, mão-de-obra escrava; a autarcas, dirigentes e/ou empresários corruptos e sem qualquer tipo de escrúpulos. Somos sovinas, tacanhos, medíocres, iletrados, chicos-espertos, parolos, shoppingueiros, arraialistas. E depois de ouvir os excelsos comentadores do horrível programa de ontem à noite na SIC-Notícias (no qual participaram
alguns estimados e eminentes bloggers da blogolusolândia, promovido, pois claro!, por um jornal do norte) fiquei a perceber de onde provém o epíteto de “Cidade Branca”: asséptica, imaculada, incorruptível, habitada pela mais fina nata de puro sangue (bem apetrechado de glóbulos brancos e não equídeo) lusitano, onde os males vêm por importação dos vícios nortenhos.

Nota: a propósito ler o artigo de opinião de Rui Moreira (carregar na imagem para aumentar):

Rui Moreira, in Público 12 de Fevereiro de 2007

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