Por falar em canadianos, há um canadiano de 63 anos – o qual aprendi a ver desde tenra idade – que consegue sublimar simultaneamente os meus sentimentos de náusea ou de puro encanto. Falo, é claro, de David Cronenberg.
Se considerei verdadeiramente nauseantes Videodrome (1983), Irmãos Inseparáveis (1988), Naked Luch (1991) e Crash (1996), ao invés descobri Zona de Perigo (1983), A Mosca (1986). M. Butterfly (1993), eXistenZ (1999) e mais recentemente Uma História de Violência (2005) como intensamente vibrantes nas respectivas épocas em que se estrearam, tentando fazer um exercício reconstitutivo das minhas anteriores apreciações lúdicas e estéticas – divertimento versus enlevo artístico –, muitas das quais registei meticulosamente, durante a minha adolescência, num caderno existente para o efeito, com classificações de 0 a 20.
Não vi Spider (2002), as tarefas paternais vão-me impedindo as deslocações ao cinema ou, apesar de o dispor em DVD, a impossibilidade de obter o sossego necessário que imponho para o visionamento de um filme.
Este ano vi Uma História de Violência e coloco-o no grupo dos melhores filmes estreados este ano no nosso país, apesar das escassas duas dezenas de visitas que fiz às salas com grande ecrã.
A despeito da misérrima interpretação de Viggo Mortensen – actor que não me cai no goto, mesmo depois do excelente e hitchcockiano Homicídio Perfeito (1998) de Andrew Davis – e de algumas cenas vandammísticas protagonizadas pelo cabotino nova-iorquino, Cronenberg é uma vez mais magistral na representação dos seus planos marcadamente pictóricos, como se nos momentos-chave se pudesse extrair de cada plano um quadro sóbria e belamente pintado pelas mãos de um Mestre. Depois William Hurt, frio e cerebral, parece querer regressar ao Big Chill que o celebrizou em tempos remotos, e Ed Harris transmite-nos a doseada e necessária repugnância através da representação de um calmo e vindicativo Carl Fogarty.
Cronenberg envia-nos a mensagem: esta é uma das possíveis histórias da América onde se demonstra a forma labiríntica que a violência pode assumir no quotidiano do cidadão comum, aparentemente gratuita e sem prevenção perante a constatação do crime perpetrado, e nunca vista como objecto de estudo indispensável a uma reflexão urgente, todavia não realizada, sobre as causas que conduziram às suas vulgarização e hediondez crescentes na sociedade americana.
Nota: num destes dias aqui colocarei a minha apreciação sobre o melhor filme estreado este ano em Portugal.
4 comentários:
André, vais falar do Match Point?
Claro, Rui. És bruxo?
Foi de longe o meu preferido.
Abraço
Seria absolutamente de acordo, não fosse a afirmação acerca de Viggo Mortensen. Escrevi sobre o filme aqui: http://antologiadoesquecimento.blogspot.com/2006/04/4-filmes.html .
Henrique,
O Viggo Mortensen pertence àquele conjunto de actores que me turva a avaliação da sua prestação pela preconcebida urticária que advém de filmes anteriores. Logo, não é uma visão de todo desapaixonada, dou o braço a torcer.
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