Começo pelos pertinentes destaques de João Gonçalves no Portugal dos Pequeninos [Maria José]:
A visibilidade do futebol, a que se junta alguma anestesia social que tolda o conhecimento de toda uma plêiade de direitos consagrada na Constituição e cujo denominado cidadão comum é o seu mais directo beneficiário, conduz-nos, de forma quase irrefutável, àquela asserção proferida por VPV, oportunamente transcrita pelo João.
Desafortunadamente, a corrupção tornou-se um quase ser vivo, com alguma autonomia, que se alimenta parasitariamente do esforço produtivo dos incorruptíveis ou dos incapazes, por vontade própria ou por manifesta falta de competência e/ou de meios, para corromper.
Patologicamente, e isso torna-a mais difícil de combater, propaga-se e desenvolve-se como um vírus, sem metabolismo próprio, logo sem antibióticos eficazes para a sua eliminação depois de instalado no organismo.
A corrupção combate-se, sobretudo, com profilaxia, com acções preventivas, evitando-se ou obrigando-se a evitar os comportamentos de risco.
Ora, esse comportamento de prevenção passa, em primeiro lugar, por uma mudança na estrutura da mentalidade de um povo que, por definição, é dificilmente alterável nos curto e médio prazos, senão mesmo inamovível.
A mentalidade só se altera com um bom sistema de educação, orientado para o civismo, para a civilidade e para o respeito mútuo; para a liberdade individual circunstanciada pela liberdade colectiva; pelos sentimentos de paz e de harmonia induzidos por comportamentos de solidariedade e de coesão social. Esse vírus e a capacidade mutante das suas subespécies só se extinguirão quando se der a interiorização plena daqueles valores como verdades inabaláveis, não conflituantes com a percepção individual da realidade que, decerto, conduziria à infelicidade e finalmente ao incumprimento.
O facilitismo, a indolência, o peso do Estado e a prostração facilitam a sua propagação: não se pede, por exemplo, uma factura pela compra de um produto ou pela aquisição de um serviço; não se controla o desperdício; não se monitoriza a actuação de um dirigente; atribui-se a determinada classe – clique social – um poder discricionário e insusceptível de escrutínio pela generalidade da sociedade; etc.
Em suma, os males estão identificados, a terapêutica já se conhece, há apenas manifesta falta de vontade, por dolo ou por negligência (ausência de posição), no combate ao flagelo.
Pelo supramencionado, fiquei deveras satisfeito com a nomeação da certamente incorruptível – que já deu provas disso mesmo – Maria José Morgado para exercer as funções de coordenadora dos processos relativos ao caso «Apito Dourado» e com o efeito de contágio que daí poderá advir para o todo – este país de corruptos impunes.
Para terminar transcrevo o delicioso “Decálogo do Corrupto: Princípios ideológicos do Saco Azul” elaborado por Maria José Morgado:
«I. Nunca te esquecerás de que a ética kantiana é uma teoria impraticável e que são o poder e a ambição que ditam todas as acções dos homens.
II. Terás sempre em atenção que deves usar o teu poder para servir os que ainda estão acima de ti e para seres indispensável aos que estão abaixo de ti.
III. Jamais terás dúvidas de que o dinheiro que geras para ti e para os teus é o melhor atalho para consolidar e aumentar o teu poder.
IV. Realizarás todos os teus actos na sombra, em silêncio, sem provas, sem testemunhas, longe de documentos e especialmente ao largo de telemóveis.
V. Procurarás nunca desapontar os teus amos e nunca renegar os teus cúmplices, especialmente se estes forem família, ou tiverem tido acesso a tua intimidade.
VI. Estarás sempre vigilante em relação aos que te invejam e aos que, por formalismos legais ou por suspeita, querem fiscalizar as tuas acções. Encontrarás meios para os desacreditar ou, em último caso, os eliminar.
VII. Construirás diariamente uma teia, com fios feitos por líderes que graças a ti treparão mais alto, por funcionários que de ti tirarão benefícios, por empresas que através de ti chegarão ao lucro, e por novas entidades que deixarás os teus liderarem.
VIII. Deverás estar atento a todas as oportunidades de mercado, sabendo que elas são infinitas, e estudarás especialmente as novas formas de negócios, ou seja, o modo de as usares a teu favor.
IX. Serás cirúrgico e asséptico no modo de contornar as leis, os regulamentos e os códigos, e atrairás a ti os melhores especialistas para te ajudarem a camuflar e a fazerem desaparecer todos os traços das tuas actividades.
X. No caso extremamente improvável de seres apanhado, gritarás inocência até ao fim, marcarás conferências de imprensa para proclamar o teu horror e quando te confrontares com a tua consciência, dirás a ti próprio que fizeste tudo para bem do povo e dos seus representantes.» (pág. 59)
Referência bibliográfica:
Maria José Morgado e José Vegar, O inimigo sem rosto: fraude e corrupção em Portugal. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª edição, Novembro de 2003, 151 pp.
«Excelente escolha, a de Maria José Morgado para "coordenar" a investigação ao funesto "apito dourado". Oxalá não lhe faltem meios, pessoas e apoio como lhe faltaram no passado, na PJ, no combate ao crime "de colarinho branco".»E, citando o Vasco Pulido Valente:
«Sucede que a corrupção no futebol é uma ínfima parte da corrupção geral do país. E serve sobretudo para a esconder.»
A visibilidade do futebol, a que se junta alguma anestesia social que tolda o conhecimento de toda uma plêiade de direitos consagrada na Constituição e cujo denominado cidadão comum é o seu mais directo beneficiário, conduz-nos, de forma quase irrefutável, àquela asserção proferida por VPV, oportunamente transcrita pelo João.
Desafortunadamente, a corrupção tornou-se um quase ser vivo, com alguma autonomia, que se alimenta parasitariamente do esforço produtivo dos incorruptíveis ou dos incapazes, por vontade própria ou por manifesta falta de competência e/ou de meios, para corromper.
Patologicamente, e isso torna-a mais difícil de combater, propaga-se e desenvolve-se como um vírus, sem metabolismo próprio, logo sem antibióticos eficazes para a sua eliminação depois de instalado no organismo.
A corrupção combate-se, sobretudo, com profilaxia, com acções preventivas, evitando-se ou obrigando-se a evitar os comportamentos de risco.
Ora, esse comportamento de prevenção passa, em primeiro lugar, por uma mudança na estrutura da mentalidade de um povo que, por definição, é dificilmente alterável nos curto e médio prazos, senão mesmo inamovível.
A mentalidade só se altera com um bom sistema de educação, orientado para o civismo, para a civilidade e para o respeito mútuo; para a liberdade individual circunstanciada pela liberdade colectiva; pelos sentimentos de paz e de harmonia induzidos por comportamentos de solidariedade e de coesão social. Esse vírus e a capacidade mutante das suas subespécies só se extinguirão quando se der a interiorização plena daqueles valores como verdades inabaláveis, não conflituantes com a percepção individual da realidade que, decerto, conduziria à infelicidade e finalmente ao incumprimento.
O facilitismo, a indolência, o peso do Estado e a prostração facilitam a sua propagação: não se pede, por exemplo, uma factura pela compra de um produto ou pela aquisição de um serviço; não se controla o desperdício; não se monitoriza a actuação de um dirigente; atribui-se a determinada classe – clique social – um poder discricionário e insusceptível de escrutínio pela generalidade da sociedade; etc.
Em suma, os males estão identificados, a terapêutica já se conhece, há apenas manifesta falta de vontade, por dolo ou por negligência (ausência de posição), no combate ao flagelo.
Pelo supramencionado, fiquei deveras satisfeito com a nomeação da certamente incorruptível – que já deu provas disso mesmo – Maria José Morgado para exercer as funções de coordenadora dos processos relativos ao caso «Apito Dourado» e com o efeito de contágio que daí poderá advir para o todo – este país de corruptos impunes.
Para terminar transcrevo o delicioso “Decálogo do Corrupto: Princípios ideológicos do Saco Azul” elaborado por Maria José Morgado:
«I. Nunca te esquecerás de que a ética kantiana é uma teoria impraticável e que são o poder e a ambição que ditam todas as acções dos homens.
II. Terás sempre em atenção que deves usar o teu poder para servir os que ainda estão acima de ti e para seres indispensável aos que estão abaixo de ti.
III. Jamais terás dúvidas de que o dinheiro que geras para ti e para os teus é o melhor atalho para consolidar e aumentar o teu poder.
IV. Realizarás todos os teus actos na sombra, em silêncio, sem provas, sem testemunhas, longe de documentos e especialmente ao largo de telemóveis.
V. Procurarás nunca desapontar os teus amos e nunca renegar os teus cúmplices, especialmente se estes forem família, ou tiverem tido acesso a tua intimidade.
VI. Estarás sempre vigilante em relação aos que te invejam e aos que, por formalismos legais ou por suspeita, querem fiscalizar as tuas acções. Encontrarás meios para os desacreditar ou, em último caso, os eliminar.
VII. Construirás diariamente uma teia, com fios feitos por líderes que graças a ti treparão mais alto, por funcionários que de ti tirarão benefícios, por empresas que através de ti chegarão ao lucro, e por novas entidades que deixarás os teus liderarem.
VIII. Deverás estar atento a todas as oportunidades de mercado, sabendo que elas são infinitas, e estudarás especialmente as novas formas de negócios, ou seja, o modo de as usares a teu favor.
IX. Serás cirúrgico e asséptico no modo de contornar as leis, os regulamentos e os códigos, e atrairás a ti os melhores especialistas para te ajudarem a camuflar e a fazerem desaparecer todos os traços das tuas actividades.
X. No caso extremamente improvável de seres apanhado, gritarás inocência até ao fim, marcarás conferências de imprensa para proclamar o teu horror e quando te confrontares com a tua consciência, dirás a ti próprio que fizeste tudo para bem do povo e dos seus representantes.» (pág. 59)
Referência bibliográfica:
Maria José Morgado e José Vegar, O inimigo sem rosto: fraude e corrupção em Portugal. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª edição, Novembro de 2003, 151 pp.
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