domingo, 4 de julho de 2010

O regresso do fedelho

Tem sido lento o processo criativo do autor norte-americano, nascido em Los Angeles em 1964, Bret Easton Ellis. De facto, Ellis acabou de publicar o seu sétimo romance, depois de se haver estreado auspiciosamente com o seu minimalista e desbastado de eloquência lírica, epítome da, na altura, recém-criada geração MTV, Menos que Zero (Less Than Zero, 1985) quando tinha apenas vinte anos. Seguiram-se o fraquinho As Regras da Atracção (The Rules of Attraction, 1987), o tenebrosamente estranho e prodigioso Psicopata Americano (American Psycho, 1991), o modesto e sem qualquer valor acrescentado literário (um novo conceito, porventura mensurável) Os Confidentes (The Informers, 1994) – muito menos o filme que nele se baseou, o paupérrimo Os Informadores, do australiano Gregor Jordan –, o magnífico, cru e tão houellebecquiano Glamorama (1998) e, finalmente, o thriller existencialista, de certa forma desequilibrado pela estranha mescla de sentimentos contraditórios que me assomaram durante a sua leitura, e carregado de um pathos inédito em Ellis, Lunar Park (2005) – afinal, o homem não é de pedra, frio, hedonista e sem adiposidades sentimentais, e talvez por aquele ter sido escrito durante os seis anos de quase idílio amantético com o escultor Michael Wade Kaplan (1974-2004), que terminou de forma abrupta, Kaplan morre com apenas trinta anos, vítima de um fulminante ataque cardíaco; na realidade, este triste episódio acaba por fazer despertar o autor do torpor passional e pôr um fim à longa travessia do deserto em assuntos literários.
Em 2010, Ellis reaparece no mercado editorial com Imperial Bedrooms (uma vez mais tendo Elvis Costello como inspiração para o título), que o autor confirma, para depois parecer contestar a evidência – dado porventura o anátema normalmente associado ao vocábulo –, tratar-se de uma sequela da sua obra de estreia, incluindo os jovens personagens frívolos, mimados, degradantes e celerados, agora na idade adulta na Los Angeles da actualidade, um Menos Que Zero (na sua mais recente reedição) com upgrade: um par de cornos. Eles são adultos diplomados, com mais posses e poder, e por isso com maior capacidade de abrir o leque de horrores psicopatológicos. Senão atente-se no parágrafo de abertura da obra:

«Eles fizeram um filme sobre nós. O filme baseou-se num livro escrito por alguém que conhecíamos. O livro baseava-se numa história simples sobre quatro semanas passadas na cidade em que crescemos e na sua grande parte reproduzia um retrato fiel. Foi catalogado como ficção mas apenas alguns detalhes foram alterados, os nossos nomes não o foram e não havia nada nele que não houvesse ocorrido. Por exemplo, houve de facto a projecção de um filme snuff naquele quarto em Malibu numa tarde de Janeiro, e sim, eu abandonei o quarto e dirigi-me ao terraço mirando distraidamente o Pacífico onde o autor tentou consolar-me, assegurando-me que os gritos produzidos pelas crianças ao serem torturadas eram falsos, mas ele sorria enquanto proferia tudo isto e eu tive de me retirar. Outros exemplos: a minha namorada na realidade atropelou um coiote nos desfiladeiros sob Mulholland e foi fielmente relatado um jantar de natal com a minha família no Chasen’s que deplorei e, por casualidade, contei ao autor. E uma rapariga de doze anos foi mesmo violada em grupo – eu estava com o autor naquele quarto de West Hollywood, que no livro apenas descreve uma vaga relutância de minha parte e falhou em descrever com exactidão aquilo que eu realmente sentira nessa noite – o desejo, o choque, o medo que eu tinha do autor, um rapaz louro e solitário por quem a rapariga com que eu andava estava meio apaixonada. Mas o escritor jamais corresponderia ao seu amor porque estava demasiado perdido na sua própria passividade para estabelecer a ligação de que ela necessitava, e assim ela regressou a mim, mas na altura já era tarde de mais, e como o escritor ficou ressentido quando ela voltara a dar-me atenção, eu tornei-me no belo e nebuloso narrador, inabilitado no amor e na bondade. Foi desta forma que me tornei no perturbado rapaz das festas que vagueia pelos despojos, com sangue a correr do nariz, fazendo perguntas que não carecem de resposta. Foi desta forma que me tornei no rapaz que nunca compreendeu o funcionamento das coisas. Foi desta forma que me tornei no rapaz que jamais conseguiria manter uma amizade. Foi desta forma que me tornei no rapaz que não pôde amar a rapariga.» [tradução impudicamente livre: AMC, 2010]
Bret Easton Ellis, Imperial Bedrooms, pp. 3-4 [New York: Knopf, first edition, June 2010, 192 pp.]