quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Manipulação


Houve uma vez um destacado director de informação de uma estação de televisão privada que disse, suponho tratar-se de esse cargo, que se quisesse venderia ao país um primeiro-ministro. Sem blogues, redes sociais, com internet ainda na sua fase rudimentar de mera caixa-de-ressonância da informação que circulava pelos meios de comunicação tradicionais, vozes de indignação, ou a ela autorizadas, surgiram de todos os lados para exprobrar as palavras do novo profeta do dealbar da revolução mediática.
Aconteceu. Cedo, o poder político, costumeiramente astuto na sua perversidade, apercebeu-se dos poderes ilimitados dos novos circuitos comunicacionais. Criou-se uma rede subterrânea de influências, que vê a luz do dia sob a forma de opinião, nos jornais, nas rádios, nas televisões, nos blogues, mas escrupulosamente geridas por agigantadas centrais de informação – hoje, não há inocente que não saiba que a informação que lhe chega às mãos já foi depurada dos escolhos da livre interpretação; ela é-nos servida eviscerada, sem espinhas e sinais de gordura, basta ligar o microondas e comer sem reclamar o produto final. O fim sempre foi a notícia, mas os meios tradicionais de investigação jornalística  para o atingir desapareceram – vivemos em plena época de arrivismo informacional.
O tal “xerife” fez o seu caminho, reformou-se e hoje opina, livremente e sem remorso, num canal público de televisão pago pelo dinheiro dos contribuintes – esses mesmos que outrora se arrogava de poder comprar e manipular.
Hoje a perfídia dá os seus frutos, faz parte do nosso quotidiano, deixamo-nos dominar por ela através de uma acédia imanente – terreno fértil para a incubação de novas formas de assassinato de carácter e do derrube perverso do adversário.
Nos dias que correm, joga-se xadrez com luvas de boxe; potencialmente, o xeque-mate chega à primeira jogada; caem por terra as peças do tabuleiro à primeira jogada com as brancas, sem distinguir a cor dos derrubados, brancas ou pretas, amigos ou inimigos, atingiu-se o fim… o rei, que muda facilmente de figura, dependendo desse fim convencionado no momento, tomba sem sequer ter dado um passo. Mas não se aflijam, a vontade de acudir o moribundo jamais desaparecerá, sob pena de se estragar o fim. Haverá sempre o peão altruísta, aquele que o pretende socorrer, insuflando-lhe dignidade, atando-lhe uns cordéis translúcidos à cabeça e aos membros.
Apoiantes de ontem, são adversários de hoje, e para cúmulo da sem-vergonha e da sordícia confessam-se envergonhados pelo apoio manifestado (sob as mais variadas formas) em tempos idos. Como se o passado fosse negociável. Seguem o rebanho, pretensamente intoxicados pela opinião dos opinadores comprometidos com o regime. Mas a realidade é bem pior, pelo testemunho cobiçoso da alacridade e das recompensas dos que trabalham no campo oposto, vendem por meia dúzia de tostões o que à partida é infungível, a própria alma.


Conselho: a leitura deste texto sabe melhor se se puser em fundo a famosa faixa sonora de Nino Rota. Tenho a impressão de que já vi este filme mas com protagonistas diferentes… (já agora, em caso de dificuldade de identificação, voltar a este pequeno excerto aqui postado que, por si só, já nos dá uma ideia global).