quarta-feira, 2 de abril de 2008

4,... [com publicidade extraterrestre/marciana]

II


A vizinhança de Schermerhorn Street era uma surpresa, totalmente diferente da sua em Midwood. As casas aqui eram feitas de tijolo vermelho, e não eram em nada semelhantes às do seu bairro, cobertas de ripas, construídas apenas alguns anos antes ou quando muito, as mais antigas, nos anos vinte. Mesmo os passeios pareciam velhos, revestidos de grandes quadrados de pedra em vez de cimento, com bocados de areia que brotavam das rachadelas. Ele podia afiançar que aqui não viviam judeus, talvez porque fosse tudo tão tranquilo e sem vida, e não se encontrava vivalma sentada no exterior para aproveitar o sol. Muitas janelas estavam escancaradas, com pessoas sem qualquer tipo de expressão apoiadas nos cotovelos a olhar para rua, e os gatos espreguiçavam-se em alguns dos parapeitos, a maioria das mulheres estavam apenas em sutiã e os homens de roupa interior tentando apanhar a brisa. Pingos de suor escorriam-lhe pelas costas, não apenas devido ao calor, mas porque só agora se havia apercebido de que era o único que queria o cão, uma vez que os seus pais não tinham propriamente uma opinião e o seu irmão, que era mais velho, dissera-lhe, “O quê? Estás doido? Vais gastar os teus pobres dólares num cão? E sabes se ele presta? E como o vais alimentar?” Ele pensou em ossos e o seu irmão, que sabia sempre o que estava certo e errado, gritou, “Ossos! Eles ainda não têm dentes, sequer!” Bom, talvez sopa, resmoneou. “Sopa! Tu vais alimentar um cão a sopa?” De repente verificou que tinha chegado à tal morada. Especado, sentiu-se a esmorecer, e compreendeu que era tudo um erro, tal como um dos seus sonhos ou uma mentira que estupidamente tentou defender como se fosse verdadeira. O seu coração acelerou e sentiu-se corar, e andou metade de um quarteirão ou assim. Ele era o único indivíduo no exterior e as pessoas em algumas das janelas miravam-no naquela rua deserta. Mas porquê ir para casa se já tinha chegado tão longe? Parecia que havia viajado semanas ou um ano inteiro. E, agora, iria voltar para o metro de mãos a abanar? Talvez ele devesse dar uma olhadela ao cachorrinho, no caso de a mulher o deixar. Ele havia-o procurado na Enciclopédia que dispõe de duas páginas inteiras com fotografias de cães, e lá estavam um bulldog inglês com as patas da frente arqueadas e dentes que sobressaíam da sua mandíbula, e um pequeno Boston bull preto e branco, mas não havia uma fotografia de um Brindle bull. Quando foram confrontados com esta história, tudo o que ele conhecia sobre brindle bulls era que eles custariam três dólares. Mas ele tinha pelo menos que lhe dar uma vista de olhos, ao seu cachorrinho, então ele regressou ao quarteirão e tocou à campainha da rua, tal como ela lhe havia dito para fazer. O som da campainha era tão alto que o sobressaltou, mas ele sentiu que se fugisse e ela o visse assim que abrisse a porta, seria ainda mais embaraçante, deste modo ficou parado no sítio sentindo o suor a escorrer-lhe pelo lábio.

Uma porta interior por debaixo do pequeno terraço abriu-se e uma mulher saiu e mirou-o através das barras poeirentas do portão. Ela vestia uma espécie de um vestido, uma túnica muito fina, de seda rosa claro, que segurava com uma mão e tinha um longo cabelo preto que lhe caía sobre os ombros. Ele nem se atreveu a olhá-la directamente, logo não pôde descrever exactamente qual era a sua aparência, mas conseguia sentir-lhe a tensão enquanto permaneceu atrás do seu portão fechado. Ele intuiu que ela não podia imaginar por que motivo tocou à sua campainha e rapidamente perguntou-lhe se tinha sido ela que tinha colocado o anúncio no jornal. Oh! A postura dela mudou logo, desaferrolhou o portão e abriu-o para si. Ela era mais baixa que ele e tinha um cheiro peculiar, como uma mistura de leite e ar bafiento. Seguiu-a até ao apartamento, que estava tão escuro que ele mal conseguia enxergar alguma coisa, porém podia ouvir o enorme latido dos cachorrinhos. Ela teve de gritar para lhe perguntar onde ele morava e que idade tinha, e quando ele lhe disse que tinha treze ela bateu com a mão na boca e disse que ele era muito alto para a sua idade, mas ele não conseguiu entender por que motivo isso lhe poderia ser um estorvo, excepto o de ela poder haver pensado que ele tivesse uns quinze anos, facto que ocorreu algumas vezes com outras pessoas. Mas mesmo assim. Ele seguiu-a até à cozinha, nas traseiras do apartamento, onde, finalmente, pôde ver a paisagem à sua volta, já que se encontrava longe da luz solar há alguns minutos. Numa grande caixa de cartão, cortada irregularmente de modo a ficar menos profunda, ele viu três cachorrinhos e a sua mãe, que se sentaram mexendo vagarosamente a cauda. Não se lhe afigurou de que ela se parecesse com um bulldog, mas não se atreveu a dizê-lo. Ela era apenas uma cadela castanha com manchas pretas e algumas listas aqui e acolá, os cachorros eram iguais. Ele gostou da forma como as suas orelhinhas caíam, mas disse à mulher que apenas queria ter visto os cães sem que houvesse ainda tomado uma decisão. Ele não sabia o que fazer a seguir, logo, para não parecer como se não tivesse gostado dos cães, ele perguntou-lhe se poderia pegar num. Ela disse que não havia problema, agachou-se e retirou dois e pousou-os no linóleo azul. Eles não se assemelhavam com qualquer bulldog que ele houvesse visto anteriormente, mas tinha vergonha de lhe dizer que, na realidade, não queria ficar com nenhum. Ela pegou num e disse, “Aqui”, e colocou-o no colo do rapaz.
(continua)

(nota: a divisão do conto em capítulos é da minha inteira responsabilidade – Cap. II: 4499 caracteres)

---------------------------------------------------------------------------------------



PUB: o Capítulo II teve o patrocínio de Virgle (Eu bem que desconfiava que a Quadratura do Círculo e os seus ditos vagueavam, há muito, acima da estratosfera, mas nunca imaginei que o despautério viajasse assim tanto para além dela. Pobre Arthur C. Clarke que se finou na semana passada).
Já tínhamos o primeiro lunático, agora a cidade de Palermo orgulha-se de apresentar mais um dos seus insignes filhos como o primeiro marciano.


Em suma, vou sentir muitas saudades de tudo isto... a liberdade!

Sem comentários: