Gregor transformou-se em barata* gigante.
Eu não: fiz-me aranhiço,
tão leve que uma leve brisa o faz
oscilar no seu fio de baba lisa.
Até que, contra a lei da natureza,
creio que tenho peso negativo,
e me elevo no ar se me não prendo
ao canto mais escuro desta ilha.
Quando descer à teia derradeira
não se verá no mundo alteração, ou só
talvez alguma mosca mais contente.
Em noites de luar, na alta esquina,
ficará a brilhar, mas sem ser vista,
a estrela que tracei como armadilha.
António Franco Alexandre, Aracne (2004)
Notas anódinas:
*Vladimir Nabokov, conhecido entomólogo e lepidopterologista, actividades que exercia para além da sua ímpar carreira literária – na minha modesta opinião, a par de Borges, o melhor escritor do século XX, curiosamente nascidos no mesmo ano, 1899, e sem qualquer reconhecimento da heteróclita Academia Sueca –, refuta a ideia quase generalizada, nunca referenciada na novela de Kafka**, de o insecto, em que, naquela manhã ao acordar no seu quarto Gregor Samsa se metamorfoseou, se tratar de uma barata:
«Os comentadores dizem [que é uma] barata, mas é óbvio que isso não faz sentido. A barata é um insecto de forma chata com grandes pernas, e Gregor é tudo menos chato: é convexo dos dois lados, o abdominal e o dorsal, as suas patas são pequenas. Parece-se com uma barata só num aspecto: a cor castanha.» Vladimir Nabokov, Aulas de Literatura, pág. 299 (Lisboa: Relógio D’Água, Fevereiro de 2004, 449 pp.; tradução de Salvato Telles de Menezes; obra original: Lectures on Literature, 1980).
**Aliás, o autor checo preocupou-se em afastar a possível especulação sobre a tipologia do invertebrado, para não prejudicar a narrativa com descrições supérfluas, chegando ao pormenor de indicar ao seu editor que a capa para a primeira publicação (1915) jamais deveria incluir qualquer tipo de insecto, mesmo que este surgisse num plano secundário.
Eu não: fiz-me aranhiço,
tão leve que uma leve brisa o faz
oscilar no seu fio de baba lisa.
Até que, contra a lei da natureza,
creio que tenho peso negativo,
e me elevo no ar se me não prendo
ao canto mais escuro desta ilha.
Quando descer à teia derradeira
não se verá no mundo alteração, ou só
talvez alguma mosca mais contente.
Em noites de luar, na alta esquina,
ficará a brilhar, mas sem ser vista,
a estrela que tracei como armadilha.
António Franco Alexandre, Aracne (2004)
Notas anódinas:
*Vladimir Nabokov, conhecido entomólogo e lepidopterologista, actividades que exercia para além da sua ímpar carreira literária – na minha modesta opinião, a par de Borges, o melhor escritor do século XX, curiosamente nascidos no mesmo ano, 1899, e sem qualquer reconhecimento da heteróclita Academia Sueca –, refuta a ideia quase generalizada, nunca referenciada na novela de Kafka**, de o insecto, em que, naquela manhã ao acordar no seu quarto Gregor Samsa se metamorfoseou, se tratar de uma barata:
«Os comentadores dizem [que é uma] barata, mas é óbvio que isso não faz sentido. A barata é um insecto de forma chata com grandes pernas, e Gregor é tudo menos chato: é convexo dos dois lados, o abdominal e o dorsal, as suas patas são pequenas. Parece-se com uma barata só num aspecto: a cor castanha.» Vladimir Nabokov, Aulas de Literatura, pág. 299 (Lisboa: Relógio D’Água, Fevereiro de 2004, 449 pp.; tradução de Salvato Telles de Menezes; obra original: Lectures on Literature, 1980).
**Aliás, o autor checo preocupou-se em afastar a possível especulação sobre a tipologia do invertebrado, para não prejudicar a narrativa com descrições supérfluas, chegando ao pormenor de indicar ao seu editor que a capa para a primeira publicação (1915) jamais deveria incluir qualquer tipo de insecto, mesmo que este surgisse num plano secundário.
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