domingo, 2 de julho de 2006

Sophia

Há dois anos morria em Lisboa a minha conterrânea e ilustríssima filha da nação Sophia de Mello Breyner Andresen (n. 6/11/1919).
Não sou decerto a pessoa mais indicada para dela falar, nem tão-pouco para fazer um exórdio da sua enorme e prestigiada obra poética – faltam-me a habilitação e o amadurecimento poéticos para meter a foice nessa seara.
No entanto, e estou certo de que a maioria dos meus fiéis visitantes já reparou, Sophia foi a musa inspiradora na tarefa de atribuição do título deste blogue.

Por que razão o Porque?
(Baseando-me nos dados estatísticos sobre os resultados das pesquisas dos motores de busca que embocaram no meu blogue, tendo como fonte os diversos serviços blogométricos, ficará, assim, desfeito um dos mais controversos dilemas gramaticais da língua portuguesa?)

Porque diariamente sinto na pele os males infligidos pelo país da impunidade!
E fico-me por aqui, deixando apenas este poema de Sophia que tudo explica sobre as minhas inquietude e estupefacção com as perversidades deste tão nosso quotidiano luso.

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andresen, “Porque”, Mar Novo, 1958

Nota: efeméride assinalada pela Fátima, que aqui funcionou como um relevante auxiliar de memória. Ver também no Cão com Pulgas a lembrança de outros três gigantes da literatura e do pensamento universais que faleceram neste dia. Por outro lado, Hesse, se fosse vivo, completaria hoje 129 anos – a jogar ao jogo das contas de vidro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito obrigada pela referência.