Nos idos de Julho de 2007, após a leitura em primeira mão de Em Busca do Carneiro Selvagem do escritor japonês Haruki Murakami, decretei um período de pousio murakamiano para o meu nervo óptico. O pousio mantinha-se, persistente, inabalável e sem saudosismos, até que ao aproveitar para fazer a alusão à estreia iminente do último filme de um realizador muito cá da casa, o vietnamita Tran Anh Hung, que adaptara parte da, por mim considerada, melhor obra de ficção de Murakami (Norwegian Wood), confessei que o compromisso fora quebrado (subsistiu, ainda assim, três anos), e o arrependimento que sobreveio foi de certa forma angustiante (como nessa altura comentei).
Quinze meses decorridos, verifico que o filme de Anh Hung passou ao lado das salas de cinema portuguesas, apesar de ter sido adquirido pela maior distribuidora e detentora de espaços de projecção em Portugal, a ZON Lusomundo, e surgiu apenas no circuito comercial de DVD em parceria com a FNAC. A propósito de uma salutar discussão sobre esta inevitabilidade nacional, a pequenez do nosso mercado associada à recalcitrante iliteracia do português médio, foi-me recomendada a leitura do último romance editado em Portugal pelo escritor nipónico, convertido em orwelliano de olhos em bico, escreveu 1Q84 – lido em japonês soa a 1984, já que “9” e “Q” são palavras homófonas. Fiquei a saber que o volume que me habituara a ver em destaque nos escaparates das livrarias neste Natal (e sempre nos espaços reservados aos tops de vendas), trata-se apenas do primeiro livro (ou calhamaço) de três (com tantas ou mais páginas) da obra proto-orwelliana, cujos restantes livros irão sair a conta gotas durante este ano (fazer render o peixe, e que bem serve ao quase ictiólogo Murakami dada a profusão de cardumes nos seus livros).
Informo, para que conste onde convier, que adquiri o Livro 1 de 1Q84 de Haruki Murakami (ed. port. Casa das Letras; obra original: 1Q84 – Book 1, 2009), e, mal o abri, as razões determinantes para o início do pousio acima referido surgiram em forma de náusea – apesar da minha inata teimosia, insistindo e esforçando-me para que a sua leitura apenas termine na página 487 e quiçá, percorra os restantes volumes ainda no prelo –, vívidas rememorações de um subgénero literário nipónico do realismo mágico sul-americano: o(a) protagonista desgraçado(a) íntegro(a) e idealista, os personagens esfíngicos – normalmente velhos e cruéis –, a presciência zoológica – habitualmente peixes e gatos –, o lesbianismo pubertário com descrições tácteis de pétalas de rosa, os edifícios e quartos misteriosos com alçapões para o inconsciente, os poços e as perturbações espácio-temporais, com desmaios inexplicáveis.
E a ervilha-verde demorou mais de seis páginas para descer as escadas de segurança metálicas de uma auto-estrada, com intensas recordações sáficas da sua adolescência à medida que ia pisando descalça os frios e rugosos degraus de metal.