Pensei escrever qualquer coisa. Alinhavei umas quantas palavras. A obsessão pelo pormenor. A meticulosidade de um relojoeiro na evocação imagética. A mão perfeita de um artesão que usa a tecnologia sem que a pressintamos – para ele é mesmo um meio, e nunca um artifício estético. As mulheres, sempre as mulheres, não tão ostensivas como em Lars von Trier, maquinais e diabólicas como em Tarantino, austeras, frias e impiedosas como em Almodóvar, objecto de desejo que se emancipa perante o indício da corte pelo pavão como em Rohmer, ou eloquentes, por vezes doces receptoras da neurastenia projectada pelo criador, como em Woody Allen. São uma bruma perene, omnipresente, extática e hermética, portadoras – eis o ventre primordial – do código inacessível a um encadeamento lógico da razão.
Fiz um historial da abordagem subliminar do lado feminino
que joga um papel crucial em Fincher desde Se7en (1995) – excluí Sigourney
“Ripley” Weaver, não tivesse sido ela de Ridley Scott, em primeiro lugar, e de
James Cameron, em segundo – Paltrow (1995), Kara Unger (1997), Bonham Carter
(1999), Foster (2002), Sevigny (2007), Blanchett (2008), e Mara por duas vezes
(2010 e 2011), mas guardei o ficheiro na imensa pasta dos textos “não
publicados”, talvez para maturação, muito provavelmente para as impenetráveis
trevas do olvido. Decidi “me & myself” atirar Karen O, cujo grito seco ressoa no negro líquido viscoso (amniótico) para a fogueira daqueles que Odeiam as Mulheres:
«Salander não consegue mexer-se. Espera que a dor abrande – o que eventualmente acontece – mas apenas para ser substituída por um sentimento de abandono. Então aquele abranda, substituído por um semblante de indiferença.»Em jeito de nota final, o fim: é impossível ficar indiferente ao pathos que emana daquele olhar, que tudo apaga, de Rooney Mara.
Steven Zaillian, The Girl with the Dragon Tattoo [screenplay], p. 165 (© 2011 Sony Pictures). Tradução livre: AMC.
Soberbo.