Com o passar dos anos, talvez por uma contínua depuração dos meus gostos cinematográficos, vai diminuindo o meu interesse por aquelas sessões folclóricas de atribuição de prémios e todo o circo que as rodeiam – com GlamCams, o espadaúdo Seacrest e os Polícias da Moda – que a indústria das artes cinematográficas insiste em não mudar de formato, sacrificando a arte em prol do puro entretenimento, facilmente consumível, vazio de conteúdo e expurgatório das memórias mais resistentes, em suma, o actual entretenimento proto-lixo de não ocupação de espaços (patrocínio: Luís Freitas Lobo) ou de acelerada degradação depois de consumido (patrocínio: Dulcolax).
Ontem não foi excepção. A tibieza, a impostura, a vaidade e a cupidez pelas notas verdes com efígie de Benjamin Franklin premiou com Globos de Ouro 11 filmes 11 nas diferentes categorias, como que a distribuir o mal pelas aldeias, não vá alguém chatear-se e boicotar (ou allenizar) as próximas sessões. E sim, eles pensam que conseguiram reavivar o amor pela França (e não pela língua francesa, um "jamé" linista), o melodrama sirkiano em fast forward, a maturidade de uma América tolerante pelas suas minorias, Scorsese & Spielberg e o interesse por Allen demonstrado nas bilheteiras, Madonna com uma injecção de adrenalina. O Frankenstein da Indústria vive. No fundo, em tempos em que por aqui se fala do clientelismo, todas as clientelas da pastilha elástica saíram satisfeitas. Está tudo lá, note-se:
3 Globos de Ouro
- O Artista (The Artist) – Melhor Filme – Comédia ou Musical; Melhor Actor – Comédia ou Musical, Jean Dujardin; Melhor Banda Sonora, Ludovic Bource.
- Os Descendentes (The Descendants) – Melhor Filme – Drama; Melhor Actor – Drama, George Clooney.
1 Globo de Ouro
- Assim É o Amor (Beginners) – Melhor Actor Secundário, Christopher Plummer.
- As Aventuras de Tintim – O Segredo do Licorne (The Adventures of Tintin) – Melhor Filme de Animação.
- A Dama de Ferro (Iron Lady) – Melhor Actriz – Drama, Meryl Streep.
- A Invenção de Hugo (Hugo) – Melhor Realizador, Martin Scorsese.
- Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris) – Melhor Argumento, Woody Allen.
- A Minha Semana com Marilyn (My Week with Marilyn) – Melhor Actriz – Comédia ou Musical, Michelle Williams.
- Uma Separação (Jodaeiye Nader az Simin) – Melhor Filme Estrangeiro.
- As Serviçais (The Help) – Melhor Actriz Secundária, Octavia Spencer.
- W.E. – Melhor Canção Original, Madonna “Masterpiece”.
Com Gervais numa camisa-de-forças, apesar do momento Eddie Murphy, da referência à decadência da NBC (a cadeia responsável espectáculo) e do comparativo entre cerimónias congéneres da HFPA e da AMPAS, com os discursos atropelados e estafados de agradecimento, salvou-se Morgan Freeman e o seu merecidíssimo prémio de carreira Cecil B. DeMille, com Poitier e Mirren a abrilhantar a ocasião.
Não são sequer admissíveis, perante o panorama de uma pobreza confrangedora, as ausências de A Árvore da Vida, Melancolia, A Toupeira ou a brevíssima referência ao último Cronenberg pela nomeação de Mortensen, ou a McQueen por Fassbender, já para nem falar, entre outros, dos independentes Durkin, Reichardt ou Jeff Nichols.