Pobre Joaquim (Quim) Font, durante a sua estadia forçada na Clínica de Saúde Mental El Reposo, em Janeiro de 1977, (talvez seguro da sua lucidez) escreveu:
«Agora tomemos o leitor desesperado, aquele a quem presumivelmente é dirigida a literatura dos desesperados. O que é que vêem? Primeiro: trata-se de um leitor adolescente ou de um adulto imaturo, acobardado, com os nervos à flor da pele. É o típico parvajola (perdoem-me a expressão) que se suicidava depois de ler Werther. Segundo: é um leitor limitado. Porquê limitado? Elementar, porque não consegue ler senão literatura desesperada ou para desesperados, tanto importa, um tipo ou um estafermo incapaz de ler duma assentada Em Busca do Tempo Perdido ou A Montanha Mágica (em minha modesta opinião um paradigma da literatura tranquila, serena, total), ou, se quisermos, Os Miseráveis ou Guerra e Paz. Acho que falei claro, não? Bem, falei claro. [...] E também: os leitores desesperados são como as minas de ouro da Califórnia. Mais cedo ou mais tarde, esgotam-se! Porquê? É bem evidente! Não se pode viver desesperado toda uma vida, o corpo acaba por dar de si, a dor acaba por se tornar insuportável, a lucidez escapa-se em grandes jorros frios. O leitor desesperado (ainda mais o leitor de poesia desesperado, esse é insuportável, acreditem-me) acaba por se antagonizar com os livros, acaba inelutavelmente por se transformar num desesperado sem apelo nem agravo. Ou cura-se! E então, como parte do seu processo de regeneração, volta lentamente, como que entre algodões, como que sob uma chuva de comprimidos tranquilizantes fundidos, volta, como ia dizendo, a uma literatura escrita para leitores serenos, repousados, com a mente bem centrada. A isto se chama (e, se ninguém lhe chama assim, eu chamo-lhe assim) a passagem da adolescência à idade adulta. E com isto não quero dizer que quando nos convertemos num leitor tranquilo se deixe de ler livros para desesperados. Claro que se lê! [sic] Sobretudo se são bons, ou passáveis, ou se um amigo os recomendou. Mas, no fundo, chateiam-no! No fundo, essa literatura amarga, cheia de armas brancas e de Messias enforcados, não consegue penetrá-lo até ao coração como, por outro lado, o consegue uma página serena, uma página meditada, uma página tecnicamente perfeita!»
Roberto Bolaño, Os Detectives Selvagens, pp. 169-170.
(Lisboa: Teorema, Junho de 2008, 512 pp; tradução de Miranda das Neves; obra original: Los detectives salvajes, 1998).
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