quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Na Tua Ausência

A razão. Aquilo que me trouxe aqui a estas páginas. Há onze meses, expunha assim um dos fundamentos que me fizeram regressar à blogosfera, através de um novo sítio com outro nome (autocitação):

«Período de tempo […] no qual exorcizarei com auxílio da bloga os fantasmas que teimam ensombrar o período natalício pela falta que tu me fazes».

O Porque – igualmente inspirado em Sophia – foi o veículo ideal para a minha mundificação emocional, numa linguagem por vezes deliberadamente impenetrável para quem vivia fora da minha intimidade; o meio ideal para a exteriorização da minha revolta perante a sordícia, a corrupção e a doce impunidade constatadas neste país infecto, onde a Justiça – a fina ironia da palavra assim grafada… capitalizada, ó Kafka renascido –, se metamorfoseou, há muito, na máquina trituradora daqueles que dela têm sede.
Renovo os votos. Recomeço, insistindo na amplitude semântica do seu título latinizado: signo jurídico, condenação sem defesa, viver na ausência de…

Prometo. Isto passa. Catarse poética. Homem novo. Blogue aliviado do peso da angústia outonal.


Lúgubre solidão! Ó noite triste!
Como sinto que falta a tua Imagem
A tudo quanto para mim existe!

Tua bendita e efémera passagem
No mundo, deu ao mundo em que viveste,
À nossa boa e maternal Paisagem,

Um espírito novo mais celeste;
Nova Forma a abraçou e nova Cor
Beijou, sorrindo, o seu perfil agreste!

E ei-la agora tão triste e sem verdor!
Depois da tua morte, regressou
Ao seu velhinho estado anterior.

E esta saudosa casa, onde brilhou
Tua voz num instante sempiterno,
Em negra, intima noite se ocultou.

Quando chego à janela, vejo o inverno;
E, à luz da lua, as sombras do arvoredo
Lembram as sombras pálidas do Inferno.

Dos recantos escuros, em segredo,
Nascem Visões saudosas, diluídos
Traços da tua Imagem, arremedo

Que a Sombra faz, em gestos doloridos,
Do teu Vulto de sol a amanhecer...
A Sombra quer mostrar-se aos meus sentidos...

Mas eu que vejo? A luz escurecer;
O imperfeito, o indeciso que, em nós, deixa
A amargura de olhar e de não ver...

A voz da minha dor, da minha queixa,
Em vão, por ti, na fria noite clama!
Dir-se-á que o céu e a terra, tudo fecha

Os ouvidos de pedra! Mas quem ama,
Embora no silêncio mais profundo,
Grita por seu amor: é voz de chama!

E eu grito! E encontro apenas sobre o mundo,
Para onde quer que eu olhe, aqui, além,
A tua Ausência trágica! E no fundo

De mim próprio que vejo? Acaso alguém?
Só vejo a tua Ausência, a Desventura
Que fez da noite a imagem de tua Mãe!

A tua Ausência é tudo o que murmura,
E mostra a face triste à luz da aurora,
E se espraia na terra em sombra escura...

Quem traz o Outono ao meu jardim agora?
Quem muda em cinza o fogo do meu lar?
E quem soluça em mim? Quem é que chora?

É a tua Ausência, Amor, que vem turbar
Esta alegria etérea, nuvem, asa
De Anjo que, às vezes, passa em nosso olhar!

O Sol é a tua Ausência que se abrasa,
A Lua é tua Ausência enfraquecida...
Da tua Ausência é feita a minha vida
E os meus versos também e a minha casa.

Teixeira de Pascoaes, “Ausência”, Elegias (1912).

Sem comentários: