quarta-feira, 30 de maio de 2007

Uma editora a desperdiçar qualidades

Robert MusilEm Maio de 2005, a Lusa noticiava que a Dom Quixote iria editar as obras completas do escritor austríaco Robert Musil (1880-1942):
«O primeiro título da colecção será “As Perturbações do Pupilo Torless”, publicado em 1906 e já editado em Portugal pela Livros do Brasil.
«O segundo livro da série, intitulado “A Portuguesa e outras novelas”, sairá no Outono, e só no primeiro trimestre de 2006 devem chegar às livrarias os dois primeiros volumes de “O Homem sem Qualidades”, publicado entre 1930 e 1942.
«De acordo com João Barrento, a colecção, composta por oito obras distribuídas por 11 tomos, será publicada ao ritmo de dois a três livros por ano, devendo ficar completa no final de 2006 ou no início de 2007.» (Agência Lusa, 7 de Maio de 2005).

Hoje, 30 de Maio de 2007, a referida editora apenas publicou o excepcional As Perturbações do Pupilo Törless – uma das obras de ficção da minha vida, a par de Jakob von Gunten do seu contemporâneo suíço Robert Walser, uns furos acima da obra que emprestou a epígrafe a este blogue, para me situar no género diarista de púberes-buscas-existenciais, que já havia lido sob o título O Jovem Törless na versão, chamemos-lhe comedida, de João Filipe Ferreira para a editora Livros do Brasil.

Tal como A Montanha Mágica de Mann, O Homem sem Qualidades de Musil foi em tempos imemoriais publicado pela editora Livros do Brasil, porém há anos que ambas as edições se encontram esgotadas no mercado – colecção “Dois Mundos”, edições n.º 32 e n.º 115 (esta em 3 volumes), respectivamente –, e sem reedição prevista, talvez justificada pela perda de direitos de publicação.

(Louvor: honra seja feita à editora fundada por António Augusto de Souza-Pinto pelo eclético e completíssimo catálogo de autores consagrados e de verdadeiras obras-primas da literatura universal, que, se não existisse e perante a penosa constatação do vencimento dos critérios mercantilistas da promoção do lixo no actual panorama editorial português, jazeriam no olvido do deserto – desta feita em ambas as margens, a começar no Terreiro do Paço – cultural luso.)

É por todos sabido – pelo menos por aqueles que se interessam por livros – que a Dom Quixote tem vindo, no último par de anos, a encaminhar-se para um destino completamente divergente daquele que foi idealizado pela sua mais notável fundadora, a tragicamente desaparecida, a 4 de Dezembro de 1980, Snu Abecassis.
Em 1999, a editora portuguesa foi adquirida pelo gigantesco grupo editorial espanhol Planeta. No entanto, para nós leitores, os efeitos da quente brisa de mudança do Levante peninsular começaram apenas a sentir-se no século XXI, havendo culminado com a publicação do best-seller "Auchan/Modelo-Continente/Barbas" Eu, Carolina.
Enquanto isso a editora, que já perdeu Kundera e Banville para a Asa e que publica Roth, García Márquez, Lobo Antunes, Rushdie, Vargas Llosa, Faulkner, Jorge Amado, entre outros, tarda em publicar Slow Man de Coetzee, adia sucessivamente Everyman de Philip Roth, não se conhecem os últimos avanços na prometida edição de Les Bienveillantes de Jonathan Littell – vencedor do Goncourt 2006 –, emudece-se sobre a edição do aclamado romance On Beauty da jovem e premiada escritora britânica Zadie Smith (n. 1975) e, ao que parece, meteu literalmente Robert Musil na gaveta, já com obra restaurada pelo notável ensaísta, tradutor e crítico literário João Barrento.

De degradação em degradação, quo vadis, Dom Quixote?

1 comentário:

Anónimo disse...

Vender é mais importante do que a qualidade do que se vende? Parece...é.
Infelizmente.