sexta-feira, 25 de maio de 2007

Camaradagem


Abstendo-me de comentar o sentindo real das palavras proferidas pela mente fecunda do ministro Mário Lino, para isso teria de recorrer à hermenêutica do deserto – na minha opinião o problema é precisamente o inverso, o da esterilidade (desértica) mental –, chocou-me mais a alegoria do estropiado e do canceroso, agravada pelo tom de auto-satisfação revelado através da exuberância gesticular e da eloquência oratória do engenheiro, inscrito na Ordem – para que conste. Mesmo que eu, por mera felicidade – que não tive –, não houvesse vivenciado o miserável drama que essa doença provoca, de lenta e cruel degradação física e mental do padecedor e dos respectivos familiares e amigos, as declarações do senhor ministro mereceriam, de igual modo, da minha parte as mais contundentes palavras de execração e de repulsa. Não se trata de um manifesto com o sentido de restringir a liberdade de expressão, criando para o efeito assuntos tabu, trata-se apenas da simples exigência de decência a quem, pelos nossos votos e impostos, tem a responsabilidade de representar e administrar o Estado-Nação.

Mal um havia terminado o palavreado asinino, veio outro, o Presidente, clamar pela construção do aeroporto a Norte por simples razões estratégicas no combate ao terrorismo e nas necessárias vias de fuga dos civis inocentes da capital. Neste caso, a interpretação deste arrazoado, pelo picaresco que a questão encerra – para ser brando –, não exige grande esforço de abstracção: não sei se foi amizade aventalar, se desespero por visão profética de investimento cúpido esboroado, ou se ambas em simultâneo.
Aquilo que aqui interessa é, pelo menos para mim, cidadão comum, contribuinte cumpridor, saber o que move esta gente na defesa obstinada por um lugarejo sem interesse aparente a 50 km de Lisboa, que a cada dia que passa parece transformar a simples teimosia, que seguia apenas a cartilha maquiavélica do não recuo em política – de liberalitate et parsimonia –, em inconfessável ganância.

Em suma, os episódios desta semana tiveram pelo menos um mérito, o de clarificar a importância do investimento, de que esta comovente demonstração de camaradagem foi a alavanca arquimédica, porque se no caso do primeiro podemos apontar alguma estultícia, até por via da experiência mediante o estudo de casos, no segundo a preocupação excessiva preocupa-me, passe o pleonasmo, porque para além de jubilado, decerto não perdeu o traquejo alcançado durante a era jurássica da política portuguesa, ou se se preferir, a matreirice de velha raposa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Foto oportuna.

Também já me aconteceu, mais que uma vez diga-se, um gesticular por vezes frenético após alguns encontros popularmente apelidos de "comícios". No meu caso nem foram almoços, foram jantares.

Anónimo disse...

..apelidados de...