«O universo (a que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no meio, cercado de parapeitos baixíssimos.»
A volúpia das palavras que sofregamente vou tragando avoluma o meu inextinguível desassossego por aquelas que não li, são como açúcar para hiperglicemia, a traição para a inveja, não são uma inutilidade, porque não são neutras; massacram, extenuam, adejam por sobre as nossas cabeças em movimentos lúbricos, exibindo-nos a certeza de que sempre existirão em combinações de 25 sinais ortográficos que se repetem em livros de 410 páginas que se diferenciam entre si pela mudança de apenas uma delas, e voltamos ao primeiro axioma de Borges que a "Biblioteca existe ab aeterno" e seríamos perfeitamente estúpidos se nela vislumbrássemos um fim.
Porventura foi esse sentimento de imortalidade que se renova a cada palavra escrita que me tornaram bibliómano sem remição; o meu longínquo momento de fuga pela Tua ausência, o desvio para a paralela superior e a esperança não-euclidiana de nos encontrarmos, segundo Poncelet, no tal ponto no infinito – aquele que a perspectiva une na eternidade duas paralelas. E sei, por Pascal, que com esse hexágono gravado nessa circunferência divina e etérea consigo encontrar três pontos de intersecção, formados a partir da projecção de três pares de rectas dos lados opostos do hexágono, que são colineares... deles extraio o caminho que me leva a esse além-mundo inescrutável.
Agora pensa nas rectas que se formam a partir desses hexágonos de nível superior, na infinidade de caminhos que se cruzam e me distraem de um objectivo que o tempo tornou difuso. Em suma, o esforço inumano que qualifica esta fuga, que me desvia daquilo que os outros assentiram ser a minha vocação, o tal fundamento para uma condenação in absentia.
E sigo ainda com Borges, através de Vila-Matas, Doutor Pasavento, que vou tragando com a tal, a inaudita, sofreguidão:
«Ignoro se a música sabe desesperar da música e se o mármore do mármore, mas a literatura é uma arte que sabe profetizar aquele tempo em que terá emudecido, e encarniçar-se com a própria virtude e enamorar-se da própria dissolução e cortejar o seu fim.»
Falta-me tempo…
Trinta e três obras foram seleccionadas por Jorge Luis Borges para integrarem A Biblioteca de Babel, uma selecção de textos de literatura fantástica, originalmente propostos ao autor argentino pelo editor italiano Franco Maria Ricci e prefaciados por Borges – ler aqui a história. Como é sabido, a Editorial Presença teve a feliz ideia de editar esta colecção no nosso país, que começou a ser publicada desde o início de 2007.
Se apenas escrevo no aqui e agora uma nota sobre esta empreitada, tal ficou a dever-se a alguma preguiça de escritor blogueiro, cujo momento escolhido, o agora, resultou da eminência do autor do 4.º livro publicado da série referida. Trata-se da obra Os Amigos dos Amigos (The Friends of the Friends, 1896 [originalmente publicado como The Way It Came]) escrita por O Mestre, Henry James, pela primeira vez traduzida para a língua de Camões.
Os livros já publicados para além deste último (por ordem cronológica de publicação):
- Gustav Meyrink – O Cardeal Napellus (Der Kardinal Napellus, 1913);
- Pedro Antonio de Alarcón – O Amigo da Morte (El amigo de la muerte: cuento fantástico, 1852);
- Giovanni Papini – O Espelho que Foge (Lo specchio che fugge, 1906).
Para além das 4 obras já publicadas, que representam, respectivamente, 4 línguas diferentes – alemão, espanhol, italiano e inglês – e de mais 4 obras de Borges – uma delas em co-autoria com Bioy Casares –, fazem parte desta biblioteca – que será publicada na íntegra pela Editorial Presença – nomes como Melville (com o seu Bartleby), Kafka (O Abutre), Wilde, Poe, Hawthorne, Voltaire, Chesterton, H.G. Wells, R.L. Stevenson, J. London e R. Kipling.
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