domingo, 20 de maio de 2007

Depois da Aparição


Depois da aparição, perdi em definitivo o rasto do Senhor Borges.
Após a inscrição daquele acontecimento na minha memória, circulei todos os dias pelos mesmos sítios à mesma hora e o trânsito corria fluído, sem entraves, sem encontrar Borges, ou alguém como ele, que caminhava do exterior para o interior para se perder do lado de lá, o Porto, nos seus labirintos de gente dispersa, hipnotizada pelo desejo de sobrevivência, sem saber que por mais que calcorreie essas artérias, a sua concepção, empreendida por algo que me foge aos apertados limites da compreensão tão humanos, foi apenas a materialização do divino pelo necessário inculcamento do desdém pela imortalidade. Em suma, vias porventura ilusórias e sinuosas que foram engenhosamente construídas para que apenas pela morte surja a almejada libertação.
Walser, em conversa com Seelig – via Vila-Matas –, referia-se aos monges voluntariamente encerrados nos mosteiros que olham com sede de exterior, de dentro para fora, o objecto que por uma vez negociaram para redenção da alma. Têm nostalgia do exterior. Porém, os escritores, aqueles que se fecham por dias infindos de solidão, empreendem um caminho sem retorno, embora voluntário, em busca do interior perdido, da sua própria identidade que se foi arruinando por paragens remotas, e agora inalcançáveis, nas intermináveis deambulações por esse labirinto: a profunda nostalgia do interior.
E assim deverá andar Borges, aquele que vi da janela do meu carro numa manhã de Maio de calor abrasador, caminhado pela Circunvalação do exterior para o interior num aparente movimento perpétuo.

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