quarta-feira, 21 de março de 2007

Poesia I

Neste dia, que é o seu, presto homenagem à forma de expressão literária que menos me foi dizendo, mas que fui (e vou) descobrindo à medida que vou envelhecendo.
Começa-se por um poema que um dia recitado nos desperta e descreve, com uma precisão de filigrana, o insulamento a que nos votámos, essa inquietude da alma pela inadaptação perante a injustiça reiterada.
Foi assim com o Porque de Sophia, e foi assim que a descobri, a sintonia poética, como mero receptor, que decisivamente me transmitiu a mensagem da profunda dor por outrem sentida, a cada verso tragado, a cada novo poema lido e relido.

Em jeito de homenagem à arte poética, deixo aqui ficar um dos meus autores favoritos:

toda a ignorância escorrega para o saber
e de novo se arrasta para a ignorância:
mas o inverno não é para sempre,mesmo a neve
derrete;e se a primavera estragar o jogo,que fazer?

toda a história é um desporto de inverno ou três:
que fossem cinco,eu seguiria insistindo que toda
a história é demasiado pequena até mesmo para mim;
para mim e para ti,excessivamente demasiado pequena.

Mergulha(estridente mito colectivo)na tua tumba
tão-só para trabalhar a escala até à hiperestridência
por cada magda e marta diogo e david
–amanhã é o nosso endereço permanente

e aí mal nos hão-de achar(se acharem,
mudaremos ainda mais para diante:para agora


e.e. cummings, “toda a ignorância escorrega para o saber”.

in e.e. cummings, xix poemas. Lisboa: Assírio & Alvim, 2.ª edição (edição bilingue), 1998, [xiv], pág. 57 (77 pp.) (tradução Jorge Fazenda Lourenço; poema original: "all ignorance toboggans into know", inserido no livro de poemas 1 x 1, 1944)

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