sábado, 20 de novembro de 2010

O Armário e o Paquiderme*

Por vezes sou paquidérmico em relação a determinadas opiniões, que mais não são que pré-conceitos em estado latente prontos a serem arremessados para a arena de “olha que contra a corrente que eu sou”.
Não gosto mesmo nada de me citar, nem de fazer das minhas opiniões sentenças, até por razão de manter algum contacto com a realidade: ninguém lê este blogue – ou melhor, pedindo desculpa aos que me lêem, cerca de meia dúzia, tenho a consciência de que qualquer opinião que aqui emita jamais será considerada em qualquer microtertúlia em que se discuta cinema, literatura, ou qualquer outro tema que aqui desenvolvi. Não é falsa modéstia, é apenas a constatação da realidade: não distribuo empregos, nem abraço políticos, não sou dono de uma editora, não escrevo em jornais ou revistas, vivo (e espero continuar a viver) no Porto, sou apartidário, embora a minha condição de blogger dispensável se agrave por uma certa dextralidade política (o que é isso?), sou agnóstico, sempre dubitativo (e não dúbio), estou-me perfeitamente nas tintas para líderes e pseudo-líderes, para os tipos que se dizem éticos (esta é das melhores lidas ultimamente), chefes, autoridades (sobre qualquer matéria); nisso sou um anarca (não estender muito o conceito, por favor), libertário, anticonservador, cultor do meu pensamento livre (jamais constrangido), sem o fim último de insultar a diferença, embora por vezes uma boa provocação à laia de insulto sirva para aliviar um pouco desta minha idiossincrática carga emocional fortemente compressora.
Não preciso de sair do armário (pronto, já arrumei com o título), nem sinto a necessidade de me revelar, muito menos de encetar qualquer manobra de diversão que permita deixar-me mais confortável perante alguém.
A 2 de Outubro passado disse aqui:

«A primeira e, pelos vistos, frutuosa união Fincher & Sorkin chega cá no próximo dia 4 de Novembro, e tenho uma forte suspeita de que, por terras do primeiro-ministro filósofo (…), onde predominam as mentes preclaras, levará no mínimo com uma bola preta… Há quem culpe o realizador de Denver por haver realizado alguns telediscos, uma mácula jamais expurgável na carreira de um cineasta.»
E a bola preta veio de onde mais esperava: o algoz do realizador de videoclipes para Madonna, Paula Abdul, George Michael, Sting, entre outros, dificilmente reconhecerá qualquer mérito ao realizador de Denver, só se, por uma análise da crítica intracomparada, conseguir vencer um reaccionarismo, que o próprio julgará tratar-se de criatividade e de ambição cinematográfica, tal como proferia o polémico Ben Marcus nas artes literárias. Adaptando o texto à sétima arte, vem: aqueles que procuram assegurar que a cultura se afaste do progresso cinematográfico, aqueles que insistem que os sucessos fílmicos do passado devem ser solidificados, polidos e praticados pelas gerações mais jovens. Qualquer adaptação à realidade vigente é um sacrilégio. Logo, mais vale filmar de câmara ao ombro um bairro degradado de Manila e contratar uma dúzia de actores não profissionais e com uma fotografia deslavada, sem artifícios, contar uma história banal, para não se cair na malfeitoria do truque fácil de câmara, jogos de luz, filtros e montagem, e demais maquinaria associada – a profanação do cinema.
A concretização da profecia (mesmo antes de ter visto o filme, que, suponho, vi no dia a seguir à estreia – 5 de Novembro), levou-me, como já aqui disse, a suspender e arremessar para o arquivo de ficheiros “ponto doc” mortos a minha opinião mais elaborada sobre a última obra de Fincher**. Mas estarei sempre disponível para exteriorizar uma boa irritação, como se não bastasse, para não danificar ainda mais as paredes desta panela de pressão, já de si bastante combalida e com cicatrizes de repressões de antanho. O outing é a minha forma de vida. E já agora a de exibir algumas opiniões de quem muito respeito nesta matéria, apesar de discordâncias viscerais noutras ocasiões, o fio condutor no exercício da crítica jamais se cristalizou num conservadorismo bafiento:
«O filme de David Fincher possui não só a rara qualidade de ser tão inteligente como o seu brilhante herói, mas é-o da mesma forma. É arrogante, impaciente, frio, excitante e instintivamente arguto.
(…)
“A Rede Social” é um grande filme, não só devido ao seu estilo deslumbrante ou ao seu engenho visual, mas porque é admiravelmente bem-feito. Apesar das desconcertantes complicações da programação informática, da estratégia da Internet e da grande finança, o argumento de Aaron Sorkin torna tudo compreensível, e não seguimos com tanta força a história como somos puxados para detrás dela. Eu assisti ao filme rodeado por uma audiência que parecia absorta de uma forma invulgar: encontrava-se amplamente fascinada.»
Roger Ebert, “The Social Network”, Chicago Sun-Times, 29/09/2010.
Para terminar, e para um bom momento de descompressão, como seria A Rede Social se filmada por Wes Anderson, Michael Bay, Christopher Guest, Quentin Tarantino, Guillermo del Toro ou Frank Capra?

Notas: *este título não se inspirou em qualquer obra do realizador, tão cauterizado pela crítica em Portugal, Julian Schnabel.
**A minha indefectibilidade fincheriana será posta à prova no passo que o realizador do Colorado está prestes a dar. Trata-se de um remake de um filme sueco estreado no ano passado sobre o primeiro livro da trilogia-dos-títulos-em-comboio do escritor já desaparecido Stieg Larsson. Entretanto, continuo em aulas de mentalização para considerar uma obra-prima o terceiro filme da série Alien. Depois do 8.º Passageiro de Scott (o Ridley, o menos apimbalhado dos manos) e do Recontro Final de Cameron, e antes da Ressurreição do Jeunet, suponho que não necessitarei de uma sala fechada com grampos nas pálpebras para a Desforra de Fincher.