Um livro de memórias sobre factos, causas e consequências de um colapso nervoso e uma obra de ficção sobre o colapso.
O dela saiu para o mercado norte-americano no mês passado. O dele sairá lá para meados de Novembro próximo.
O dela parte de uma história real sobre um estranhíssimo achaque nervoso sofrido quando proferia a elegia fúnebre no enterro de seu pai. O dele parte de um julgado pequeno achaque financeiro que redundou numa tormenta cataclísmica que pôs o capitalismo e o seus súbditos de joelhos, contado sob a perspectiva de uma variedade de narradores.
Ambos têm as suas obras editadas em Portugal pela mesma editora: a Asa.
A dela, no original com 224 páginas em formato de capa dura, estreará se a subsidiária da LeYa pretender publicar um livro seu de não-ficção (facto até hoje inédito). A dele, no original com mais 96 páginas que o dela e no mesmo formato, terá direito à já anunciada publicação simultânea mundial, tal como aconteceu com a sua obra anterior, Invisível (Invisible, 2009).
A abertura do livro de memórias dela:
«Quando o meu pai morreu, eu estava em minha casa em Brooklyn, porém apenas uns dias antes estive sentada na beira da sua cama numa casa de saúde em NorthField, Minnesota. Embora ele estivesse fisicamente debilitado, a sua mente mantinha-se perspicaz, e lembro-me de que falámos e até nos rimos, apesar de não me conseguir lembrar do tema da nossa última conversa. No entanto, recordo-me com nitidez do quarto que ele habitou no fim da sua vida. As minhas três irmãs, a minha mãe e eu pendurámos quadros na parede e comprámos uma colcha verde-pálida para que o quarto parecesse menos austero. Havia um vaso de flores no parapeito da janela. O meu pai sofria de um enfisema e nós sabíamos que ele não duraria muito. A minha irmã Liv, que vive no Minnesota, foi a única que o acompanhou no dia derradeiro. O pulmão do meu pai entrou pela segunda vez em colapso e o médico sabia que ele não sobreviveria a outra intervenção. Enquanto permaneceu consciente, embora incapaz de falar, a minha mãe telefonou às suas três filhas que viviam em Nova Iorque, uma por uma, para que todas pudéssemos falar com ele ao telefone. Lembro-me claramente de ter feito uma pausa para pensar naquilo que lhe haveria de dizer. Acorreu-me um pensamento estranho de que não deveria proferir nenhum disparate naquele momento, deveria escolher cuidadosamente as minhas palavras. Queria dizer algo de memorável – um pensamento absurdo, porque a memória de meu pai em breve se apagaria com o pouco que ainda lhe restava. Porém, quando a minha mãe lhe encostou o telefone ao seu ouvido, tudo o que fiz foi pronunciar num tom abafado as palavras “adoro-te tanto”. Mais tarde, a minha mãe contou-me que quando ouviu a minha voz, ele sorriu.»Siri Hustvedt, The Shaking Woman or a History of My Nerves, pp. 1-2 [New York: Henry Holt, first edition, 2010, 224 pp.; tradução: AMC, 2010]
A abertura do romance dele repousa no segredo dos deuses, no entanto há umas frases publicadas pela sua editora (a mesma que a dela) que aguçam o apetite a qualquer austeriano:
«Sunset Park segue as esperanças e os medos de um conjunto inesquecível de personagens, reunidas pelo misterioso Miles Heller durante os meses sombrios do colapso económico de 2008.Um rapaz enigmático empregado numa empresa de limpeza de imóveis no sul da Florida que fotografa obsessivamente milhares de objectos abandonados pelas famílias que foram desapossadas de suas casas.Um grupo de jovens que ocupa ilegalmente um apartamento no Sunset Park, em Brooklyn.O Hospital dos Objectos Partidos, que se especializou na reparação de artefactos pertencentes a um mundo desaparecido.O filme de 1946 de William Wyler, Os Melhores Anos das Nossas Vidas.Um actriz célebre que prepara o seu regresso à Broadway.Um editor independente que tenta desesperadamente salvar o seu negócio e o seu casamento.» [do editor Henry Holt; tradução livre: AMC, 2010]