terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Óscares IV – Impressões e considerações finais

[Para acabar com o assunto de vez, deixo aqui ficar algumas impressões sobre a noitada de ontem (poucas, a paciência não chega para tanto, com a agravante de correr o sério risco de me chamarem de cinefilamente superficial, ou coisas piores)]

Em 7 pontos
  1. Uma parte importante (38%) dos milhares (porventura centenas) de leitores deste blogue preferia ver o filme Expiação como o vencedor da noite (28% elegeria Haverá Sangue, cerca de 23% viu realizado o seu desejo ao assistir à vitória de Este País Não É para Velhos e 9% votou em Juno e, ainda, Nespresso "0");
  2. Não me furtei a um insonoro sorrisinho sardónico, mas com expressão de Mutley (mais inteligente, claro), que preocupantemente perdurou por alguns minutos na minha expressão facial – qual Jack Nicholson no Joker de Burton –, enquanto escrevia o texto anterior ao haver constatado que Expiação figurava no aglomerado de filmes galardoados com apenas 1 Óscar, pequena malícia potenciada pela categoria: “Melhor Banda Sonora Original” – meses após a estreia, ainda se pode escutar o reverberante martelar das teclas da máquina de escrever… mas, não é por tanto dedilhar que se responde satisfatoriamente ao desafio: como agarrar o talento e a subtileza de McEwan?
  3. A cerimónia foi fraquinha. Cheia de pontos mortos e com algumas descoordenações e embaraços. Repararam no friíssimo cumprimento entre Jon Stewart e Owen Wilson?
    Stewart esteve igual ao papel representado no Daily Show da Comedy Central, física e comicamente abaixo do seu amigo Colbert, e longe dos inesquecíveis Johnny Carson, Bob Hope, Chevy Chase e até Billy Crystal. Tem, já sabemos, o invariável defeito whoopi-goldberguiano de se rir das suas próprias piadas, mesmo quando se apercebe do falhanço de algumas delas – aqui, porém, consegue ficar
    acima de Herman José, que continua a considerar-se um delicioso irreverente mesmo perante uma terrível sucessão de boçalidades acabadas de sair da sua boca – que o digam Dennis Hopper, quando Stewart lhe perguntou se aquele sabia onde se encontrava, e Jack Nicholson (que, convenhamos, pela pose, já estafada, a isso se presta) quando Stewart refere as actrizes grávidas presentes no Kodak Theatre. Porém, houve duas piadas de circunstância que se destacaram das demais pelo brilho relativo: (1) Quando Stewart se referiu ao desempenho da actriz Julie Christie em Longe Dela, filme que retrata as sequelas da doença de Alzheimer na vida de uma família: «Julie Christie was absolutely amazing in Away From Her. Brilliant movie. It was the moving story of a woman who forgets her own husband. Hillary Clinton calls it the feel good movie of the year»; (2) A incontornável referência de Stewart às 80 edições da cerimónia da estatueta dourada: «Oscar is 80 this year, which makes him now automatically the frontrunner for the Republican nomination.»
  4. Gostei de ver a alegria incontida do, normalmente esquivo e sorumbático, Cormac McCarthy pelo reconhecimento, embora indirecto, da sua obra. O seu romance, já aqui o havia referido nas minhas notas de leitura (pede-se o favor a V. Exas. de as procurarem na coluna do lado direito), é tenebrosamente excepcional (na fase do inventivo rescaldo, gostei especialmente da curta frase asinina do Público, reproduzida pelo João, sobre o romance do autor norte-americano: «Este País não é para Velhos, a adaptação de um romance de Cormac McCarthy que conta a história de um negócio de droga que dá para o torto, no sul do Texas», o título do texto e o comentário do João levaram-me às lágrimas; mas, enfim, temos aquilo que merecemos.
  5. Comentários lusos nos estúdios da TVI: Teve uma certa graça – noutros tempos ter-me-ia dado ao trabalho de escrever um cáustico e vigoroso e-mail de protesto – a pequena discussão entre os comentadores gerada pela atribuição do Óscar honorário ao director artístico Robert Boyle, com os seus 98 anos, em que as variantes Boyle e Doyle saltaram, qual jogo de pingue-pongue com bolas de golfe, entre Vieira Mendes e Tendinha, abafando (salvo seja) Nicole Kidman e as primeiras palavras do provecto director artístico. E depois, interrogo-me todos os anos, por que raio a TVI não disponibiliza a emissão sem comentários, via canais de som diferentes?
  6. PT Anderson perdeu, e manteve-se na sua postura sonolenta; talvez seja timidez, outros afiançam que é fleuma e sobranceria. Salvou-se a Direcção de Fotografia, para além do esperado e merecidíssimo Óscar pela magistral interpretação de Daniel Day-Lewis.
  7. Com canções horrorosas, uma orquestra dirigida por Bill Conti que a certa altura pareceu entrar na competição internacional do trecho musical para cinema mais desafinado, sem as habituais apresentações individualizadas dos filmes candidatos ao galardão máximo, com uma plateia que não se renova a cada ano que passa – sempre com a mascote testosterónica de óculos de sol e sorriso lúbrico na linha da frente – e umas meninas choronas que abrem a torneira sempre que o tom do “thank you Academy” se aproxima do sussurro meloso de Jennifer Tilly com cambiantes do histriónico discurso com soluço intercalado de Renée Zellweger, este formato está morrer aos poucos, já não há pachorra… mas para o ano… é superior às minhas forças, noitada garantida. Junta-te a eles...

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