sábado, 9 de setembro de 2006

Borlas


Todo o português que se preze incensa a borla, elevando-a à condição de património da lusa nacionalidade.
A consagração da borla pelo uso no nosso ordenamento psicossocial é tão importante, que ignorar uma borla tornou-se um sacrilégio – ou um crime de lesa pátria –, cuja pena se materializa num duro ostracismo pelos demais enquanto perdura a memória da infracção cometida.
Nem de propósito, o português médio identifica-se com a espaventosa e ignara Kelly (Anna Faris): «I'm under Evelyn Waugh. Shh…» [Tradução livre: Estou registada no Hotel sob o nome Evelyn Waugh. Chiu…]

Cerca de nove tabacarias, hipermercados, cafés e quiosques percorridos, entre as quatro e as cinco da tarde e: «Perdão, o Expresso esgotou! Sabe… vinha o DVD!»

Dei por mim a pensar: «Que o levassem… Pelo menos poderiam ter deixado ficar o Jornal!»
Todavia, sei que isso seria um gesto verdadeiramente inexequível. O português domingueiro de risca ao meio na frondosa cabeleira, que se prolonga, numa destreza geométrica, ao bigode, de fato de treino verde alface e jornal desportivo debaixo do aromático sovaco empapado de excrescências, que aí habitarão pelo menos mais um par de dias, é muito cioso da sua propriedade. Do género: se paga a portagem e os impostos como todos os outros tem todo o direito de circular na faixa mais à esquerda a 50 quilómetros por hora.

O Sol está para nascer. Há quem diga que será um perfeito sucedâneo do agora cambiado e sofrível incentivador de borlas. Se esta política do rebuçadinho – não estou a falar do “apito dourado” – continuar e se aos portugueses como eu – aqueles que adoram acordar tarde e começar a viver a partir das catorze –, lhes faltar o instrumento que lhes mata o vício periodístico de Sábado à tarde pela cupidez borlista da lusa nação, o Astro-rei cedo começará a brilhar nas suas literárias ondas cerebrais.

Cuida-te Henrique Monteiro, creio que isto «
Os 160 mil exemplares do novo EXPRESSO, em formato “berliner” e a custar menos 20 cêntimos (€2,80), foram assim vendidos em poucos mais de quatro horas» não é motivo para este tipo de euforia desbragada, é um pau de dois bicos…

2 comentários:

Anónimo disse...

Estou na mesma! Tão irritada... fui a mais de seis sítios à procura do novo Expresso. Fui à tarde e fui tarde.
O que vale é que o Lost in Translation é um bom filme!
Que o vejam!

Anónimo disse...

Caro (...), se assim o entender, pode consultar os resultados da exegese hermenêutica de um texto de José Luís Peixoto no novíssimo blog "Não li nem quero ler", onde (coisa inimaginável!) se demonstra a argúcia literária do autor e do leitor!!

http://naolinemqueroler.blogspot.com/