quarta-feira, 18 de julho de 2012

Defender o indefensável

Uma pequena amostra para o título deste texto pode ser testada no argumentário do crítico retro-palavroso da BBC Mark Kermode. Kermode na construção do seu novíssimo Film Club* escolheu Breathless (filme de 1983, realizado por Jim McBride, que em Portugal levou com o título de O Último Fôlego, talvez mais ajustado ao seu magnífico antepassado gaulês, que agora já ganhou raízes inextirpáveis como O Acossado) para a sua primeira fita – o que tu queres sei eu (daí a “fita”): gerar discussão.
Quem não se lembra deste filme? Era a sensação mediática do momento, em que eu, puto ladino, me introduzi à sorrelfa num das inúmeras salas de cinema que a minha cidade outrora possuía. Na altura Godard soava-me bem, mas deveria pertencer a uma qualquer corrente esotérica de alto coturno, apesar de reconhecer Truffaut (via Spielberg), embora desconhecesse que fora o autor  usurpado – do guião. Saí do cinema com uma irritação profunda pela semanada despendida com aquela banhada. É que na altura – e ainda despontava em mim o maniqueísmo tão adolescente – já não suportava aquele cabotino muito na moda apelidado de Gere, o que se agravou pela misérrima interpretação de uma francesa, para mim desconhecida e ainda hoje entre as brumas da cinefilia, de sobrenome Kaprisky. E todo aquele filme, a sua deplorável mise-en-scène
Mais tarde, muito mais tarde, no processo de refinamento do gosto pessoal, soube-o, porque vi o original produzido no alvor da Nova Vaga para comparação com o seu sucessor americano. Confrontei-o com o meu ainda existente caderno de apontamentos da era pré-púbere e notei que, apesar do momento de enjoo de antanho, houvera pecado mesmo assim por uma certa condescendência infantil. Belmondo/Seberg (Jean [ea=i], esta última, esse milagre tão bem construído pelos franceses) versus Gere/Kaprisky. Ou Godard versus McBride (literal: o filho da noiva). Nada importa para Kermode. São obras diferentes sobre o mesmo argumento. Concordo. Mas há limites, e o filme de 1983 é soberanamente mau. Mas o pecado da gula pela confrontação foi irresistível, e surgiu um segundo vídeo a comprovar isso mesmo. Kermode espalha-se ao comprido pelo inusitado exercício.
O indefensável arrazoado (as calças ao xadrez, a «majestade resplandecente» de Gere em relação a Belmondo, sexo no chuveiro com Elvis e as Mentes Suspeitas, e pasme-se a arquitectura, numa comparação subentendida Los Angeles versus Paris, o que só confirma a estética de McBride em detrimento de Godard):



Entretanto, os primeiros críticos americanos a recensear o último bat-onanismo do Nolan, vêem-se de novo perseguidos pelos fãs do morcego Bale com os seus estrepitosos efeitos sonoros e flamejantes efeitos especiais que se fundem numa caldeirada pseudo-metafísica, antes sequer de o filme ter estreado. É a crítica ao crítico por antecipação**.
Prepara-te, Luís Miguel, se a tua recensão for similar às duas anteriores, vais levar com a geração “Produções Fictícias” em cima e com argumentos do quarto fechado

Notas: *O segundo filme escolhido por Kermode foi o pior e o mais escabroso de Lynch, um slapstick chamado Twin Peaks: Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer (Twin Peaks: Fire Walk with Me, 1992).
**Para ficar a saber mais, ler na Slate um versão resumida dos últimos acontecimentos em «Batman Fans Go After Critics (Again)».