segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

4 meses, 23 jogos e o 25 de Abril


Há uns tempos prometi a mim mesmo que não voltaria a escrever aqui sobre futebol, porquanto, na maioria das vezes, a paixão na análise dos factos tolda alguma racionalidade asseguradora de um mínimo de imparcialidade. Rompi a promessa, porém não me penitencio. Mesmo que ninguém leia os textos que para aqui – e cada vez mais espaçadamente – vou publicando, senti que deveria exteriorizar a minha raiva, que se contida provocaria maiores danos, perante a actual VERGONHA camuflada de regulamentos espúrios.
O contador que permaneceu neste blogue até sexta-feira passada – o dia da decisão – assinalava 61 dias de suspensão preventiva de dois jogadores do meu clube, que impediu a participação dos mesmos em 12 jogos para competições oficiais de futebol.
Hoje, sabe-se que para o mais destacado da dupla de castigados – Hulk – serão 23 os jogos em que aquele predestinado – quiçá por artes mágicas ou por um sopro olímpico à nascença – foi arredado dos relvados por um “Pavão” de Canelas, Gaia – conhecido pela sua cor clubística rubra, imprimida pelo pai desde os tempos de meninice –, estribado cegamente em regulamentos que, pasme-se, considerou injustos. Todavia, Costa como principal zelador do seu cumprimento nunca tomou a iniciativa formal para propor a sua alteração. Ficam-lhe mal as lágrimas de crocodilo, o excesso de linguagem que procurou exalar a imagem de um homem agrilhoado à lei disciplinar, esquecendo-se que, com esse comportamento, cometeu o erro de praticar um acto conscientemente imoral, derrogando a génese e o sustentáculo de qualquer forma de Direito, o sentimento de justiça, transversal ao comportamento humano. Em suma, permitiu-se a ratificar o “mal” deixando-se vencer por uma lei sem moral.
Curiosamente, quis o destino que a 25 de Abril de 2010, Givanildo Vieira de Souza regresse do seu degredo, 36 anos depois do dia em que a liberdade voltou às ruas deste país de misérias.
Com estas palavras, termino o assunto, e em definitivo, não me coibindo de deixar mais outras que, pela insuspeita clubite, deveriam ser motivo de reflexão:
«Deixo a minha opinião sobre os castigos de Hulk e Sapunaru já no início do texto: são desproporcionados.
Os actos dos dois futebolistas não mereciam semelhante pena, que considero de uma violência sem sentido. Se pensarmos que os jogadores têm, em média, dez anos de carreira ao melhor nível, este castigo significa, por exemplo, que o lateral romeno acabou de perder 5 por cento da sua vida desportiva. É brutal.
Arrumada a minha opinião sobre a dimensão do castigo, sobram três perguntas: o processo foi bem conduzido, o desfecho podia ter sido diferente, os regulamentos disciplinares do futebol português são bons?
1. Depois de ouvidas as explicações de Ricardo Costa fiquei convencido de que o processo foi bem conduzido. Respeitou os prazos, fez o que tinha a fazer. No entanto, o final foi desastroso. A conferência de imprensa na sede da Liga é desajustada e constituiu um triste e lamentável espectáculo. Se pretendia ser claro, Ricardo Costa deveria ter-se limitado a colocar online um acórdão contido, correcto e claro. O dia em que jogadores são condenados a castigos tão pesados não pode ser promovido a espectáculo televisivo. Muito menos por pessoas com responsabilidades disciplinares e na sede do organismo que representa os clubes.
2. Acho que a Comissão Disciplinar valorizou muito pouco duas questões fundamentais: o comportamento dos stewards indicados pelo Benfica e o facto de os jogadores estarem sujeitos a uma pressão que resultava de terem terminado um jogo de futebol intenso minutos antes. Ou seja, os stewards não deviam simplesmente estar naquele sítio, quanto mais optar por um comportamento que a CD considerou «provocatório». Faltou à Comissão Disciplinar algo essencial a quem aplica regulamentos: bom senso. Os clubes mal intencionados ficaram a saber que sai muito barato provocar os jogadores adversários nos túneis. Com 1500 euros pode conseguir-se provocar um sério dano na concorrência.
3. A resposta à terceira pergunta é fácil. É evidente que os regulamentos são maus. Mas antes de serem maus, são demasiados. Os regulamentos devem garantir que todos podem defender-se, mas, em simultâneo, permitir a aplicação da justiça em tempo útil. Porque, como se viu, o tempo de quem julga é bem diferente do tempo de quem joga. Aqui, mais uma vez, a Comissão Disciplinar da Liga esteve mal. Os anos que leva no futebol são mais do que suficientes para lhe exigir que tivesse conseguido uma acção activa na alteração dos regulamentos. É fraca desculpa alegar, nos momentos mais delicados, que a culpa é das leis, que são más. Sobretudo quando no resto do tempo se assobia para o lado.
O facto de discordar do desfecho deste caso não me leva a dar o passo seguinte: colocar em causa a honra e o equilíbrio de quem integra a Comissão Disciplinar. Reconheço na acção de Ricardo Costa rigor, trabalho e esforço honesto na alteração das práticas anteriores. E todos sabemos como funcionava a CD antes da direcção de Hermínio Loureiro.
Dito isto, era tempo de os clubes, sobretudo os maiores, contribuírem para a elevação do futebol em Portugal. E isso faz-se nos momentos complicados, como este. O F.C. Porto tem todo o direito de recorrer, mas perde respeito quando o faz utilizando linguagem imprópria.
P.S.: Só mais um ponto: face à dimensão do castigo aplicado a um jogador tão importante como Hulk, é evidente que a Comissão Disciplinar poderá sempre ser acusada de ter contribuído para decidir o campeão em 2009/10.»
Luís Sobral, in MaisFutebol, “Castigos a Hulk e Sapunaru: obviamente são excessivos”, 20 de Fevereiro de 2010. [destaques meus]