segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Regresso e partida

Regressei a 13. Promessa cumprida. Embora persista a incerteza sobre a quem aproveita esse cumprimento.
Um dos benefícios do tempo improdutivo despendido com o que se convencionou chamar de férias: ler, de fio a pavio, os livros que se vão acumulando nas estantes dos não-lidos, sem interrupções, sem que o lamento surdo do corpo, que obnubila a mente pela falta de mais uns miligramas de nicotina, seja o impulsor para a assimilação enlevada de uma meia dúzia de páginas, perdendo-se de forma irremediável o alinhamento para a meia dúzia seguinte.
Na poupada (optimizada) mala de viagem levei comigo sete livros, que à subida deste país indolente – este ano sem fogos em directo nos serviços noticiosos das oito da noite – se perfilaram num conjunto de oito, com o assentimento do treslido DN e de um tal senhor Honoré e o seu Último Adeus.
Das novidades editoriais – livros publicados em Portugal em 2007 – levei apenas dois: um que terminava, outro para estrear nas férias – não esquecendo a fracção dos "Estudos Filosóficos" de A Comédia Humana.
Bellow e Gide – depois Balzac. O Planeta do Sr. Sammler (Texto Editores; Mr. Sammler’s Planet, 1970) e o dostoievskiano, cómico, embusteiro e perverso Lafcadio Wluiki no livro traduzido para português sob o título inaudito de Os Subterrâneos do Vaticano (Ambar; Les Caves du Vatican, 1914) – seguido de O Último Adeus (Europa-América/DN; Adieu, 1830).
Dois romances e uma novela que figurarão, por economia de esforço, sem mais comentários no lugar cimeiro da minha apreciação de livros de 2007.

Deverei estar de partida amanhã, assim que o crepúsculo prenuncie a assunção das sombras – assim mesmo, sem maiusculizar aquilo, sobre o que se foi perdendo a fé...

Nota: algum desencanto, a vívida consciência de um descaminho perante certas tarefas de carácter eminentemente individual (masturbações intelectuais impostas por terceiros) e absolutamente inadiáveis, assim como a ansiedade extrema que deles (estados da alma) decorre, levam-me à centésima tentativa de desintoxicação.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Ir de férias com...

…livros!

N.º 13
«Treize – j’eus un plaisir cruel de m’arrêter sur ce nombre.»
Marcel Proust

I. Os livros e as prostitutas podem levar-se para a cama.
II. Os livros e as prostitutas entrecruzam o tempo. Dominam a noite tal como o dia e o dia tal como a noite.
III. Ao ver os livros e as prostitutas ninguém nota que os minutos lhe são preciosos. Mas quando lidamos com eles mais de perto, então notamos a pressa que têm. Fazem contas também enquanto nos afundamos neles.
IV. Desde sempre os livros e as prostitutas têm entre si um amor infeliz.
V. Os livros e as prostitutas – ambos têm toda a espécie de homens que vivem deles e os atormentam. Os livros têm os críticos.
VI. Livros e prostitutas em casas públicas – para estudantes.
VII. Os livros e as prostitutas – raramente aquele que os possuiu lhes vê o fim. Costumam desaparecer antes de perecerem.
VIII. Os livros e as prostitutas contam com o mesmo agrado e mentira como se tornaram no que são. Na verdade, frequentemente, nem eles próprios o notam. Durante anos tudo é feito “por amor” e, certo dia, anda na rua como corpus bem carnal, aquilo que “enquanto estudo” pairava sempre por cima dela.
IX. Os livros e as prostitutas gostam de voltar as costas quando se expõem.
X. Os livros e as prostitutas têm muitas crias.
XI. Os livros e as prostitutas – “velha beata – jovem puta”. Quantos livros por onde actualmente a juventude tem de aprender não foram difamados!
XII. Os livros e as prostitutas têm as suas zangas diante das pessoas.
XIII. Os livros e as prostitutas – as notas de rodapé são neles o que nelas são as notas na meia.


Walter Benjamin, Rua de Sentido Único. Lisboa: Relógio D’Água, 1992, pp. 65-66. (tradução de Isabel de Almeida e Sousa; obra original: Einbahnstrasse, 1928).

Vou de férias com... Regresso a 13.

Ainda McEwan

Christopher HitchensNo último número (Julho/Agosto) da revista norte-americana The Atlantic (anteriormente designada por The Atlantic Monthly), o escritor, crítico e colunista britânico, residente nos Estados Unidos, Christopher Hitchens escreve sobre o último trabalho do seu eminente compatriota Ian McEwan, Na Praia de Chesil, e a consagração deste último como o escritor nacional“Think of England”.
Entre outros assuntos conexos, Hitchens, tal como fizeram alguns críticos literários antes dele, fala da coincidência histórica entre a novela de McEwan e o célebre poema de Philip Larkin (1922-1985) “Annus Mirabilis”, escrito em 1967 – trezentos anos após o poema épico homónimo de John Dryden que narra os acontecimentos do Grande Incêndio de Londres (entre 2 e 5 de Setembro de 1666) e, segundo se supõe, atribuindo-lhe uma natureza miraculosa ou decorrente da vontade divina devido ao pequeno número de baixas; assim como a vitória esmagadora da armada inglesa sobre os holandeses na Batalha de Lowestoft a 13 de Junho do mesmo ano, o ano da besta do 2.º milénio.

Da leitura do artigo, passando por uma releitura das sinopses fornecidas pela editora e até de algumas críticas, concluí que existe uma disfuncionalidade cronológica entre o autor, a editora e as inúmeras recensões publicadas na imprensa de língua inglesa antes da publicação da obra, alastrando-se, de forma pandémica, aos textos que se seguiram – virulência assaz frequente no crítico profissional que não lê a obra recenseada e que, imbuído de um curioso espírito de solidariedade profissional, vulgo engenho mimético, acaba por cair no mesmo erro, embora, por um zelo singular, a exegese surja sempre num estilo mui íntimo, revelador da erudição e da cientificidade literária do autor.
Bem, ou então… tudo está correcto, McEwan desfruta da companhia do seu meio-irmão recentemente descoberto, enquanto esboça a próxima obra, e o mundo, na sua inexorabilidade, pula e avança… e eu, na minha eventual neurose obsessivo-compulsiva, que se manifesta por um putativo rigor anacrónico, insisto num pormenor decerto obviável – e não recebo nada por isso.

Para que se possa entender o propósito desta torturante, quiçá tortuosa, arguição, convém delinear um fio condutor que, pelo menos, permita um pequeno vislumbre da sua finalidade (inutilidade), seguindo, para o efeito, um método por etapas.
Em primeiro lugar, é de todo aconselhável começar com o tal poema de Larkin:

Sexual intercourse began
In nineteen sixty-three
(which was rather late for me) –
Between the end of the Chatterley ban
And the Beatles' first LP.

Up to then there'd only been
A sort of bargaining,
A wrangle for the ring,
A shame that started at sixteen
And spread to everything.

Then all at once the quarrel sank:
Everyone felt the same,
And every life became
A brilliant breaking of the bank,
A quite unlosable game.

So life was never better than
In nineteen sixty-three
(Though just too late for me) –
Between the end of the Chatterley ban
And the Beatles' first LP.


Philip Larkin, “Annus Mirabilis”, (1967)

(Segundo Hitchens – merecendo inclusive nota de destaque na revista:
«Somente Philip Larkin logrou descrever o sexo de forma ainda mais crua em comparação com a que aqui [Na Praia de Chesil] faz McEwan. Não houve imperícia, falhanço ou desgraça que tivesse ficado por revelar.» [Tradução Livre: AMC])

Em segundo lugar, se dispuserem de alguma reserva mental que vos permita ler, ou então reler – podendo, neste último caso, redundar num processo autopunitivo mais severo –, qualquer texto por mim escrito e publicado neste blogue, escrevi no passado dia 2 de Maio
este texto – também indicado na coluna da direita – sobre a minha experiência de leitura desta pequena obra-prima de McEwan.

Em terceiro lugar, Hitchens, as sinopses das edições inglesa e portuguesa do livro de McEwan e a generalidade dos críticos afirmam, de forma categórica e inequívoca, que a acção principal de Na Praia de Chesil – a famosa noite de núpcias – decorre no Verão de 1962. Ora, no caso do meu estimado leitor haver arriscado o esgotamento da sua paciência lendo
o meu texto de pseudo-recensão – e se chegou até aqui, por que não dar o benefício da dúvida e fazer mais um esforço –, certamente verificou que situo a dita acção no Verão de 1963.

Hipótese nula: a acção de Na Praia da Chesil ocorre no dealbar do coito como forma de expressão sexual.

Ou seja, rejeitar a Hipótese Pré-Larkin, em detrimento da Hipótese, mais poética, de coetaneidade.

Começando pela análise do poema de Larkin, consegue-se, facilmente, delimitar um período para o alvor da explicitação sexual:

  • the end of the Chatterley ban”, fim do processo judicial que visava proibir a venda do romance O Amante de Lady Chatterley de D. H. Lawrence: 2 de Novembro de 1960;
  • the Beatles' first LP”, estreia do primeiro L.P. dos BeatlesPlease Please Me, editado pela Parlophone (empresa subsidiária da EMI): 22 de Março de 1963.

Outros factos históricos:

  • os Beatles assinam o primeiro contrato com a EMI a 6 de Junho de 1962, nos famosos estúdios de Abbey Road, Londres, e publicam o primeiro single “Love Me Do” em 5 de Outubro de 1962, que integrava a canção “P.S. I Love You”. Segundo as inúmeras biografias e artigos de enciclopédia, o primeiro single teve um sucesso moderado, atingindo apenas a 17.ª posição no top de vendas do Reino Unido. O segundo single – que iria emprestar o nome ao primeiro álbum – “Please Please Me” é lançado no mercado britânico a 11 de Fevereiro de 1963 – foi primeiro grande sucesso dos Beatles, atingiu as 2.ª e 3.ª posições nos tops de vendas do Reino Unido e dos Estados Unidos, respectivamente.

Factos apontados no enredo da novela Na Praia de Chesil de Ian McEwan:
Edward Mayhew [destaques meus]:

  • «[Edward] Tinha nascido em 1940, demasiado tarde no século, para acreditar que estava a maltratar o corpo» (pág. 21).
  • «Naquela manhã, enquanto se vestia para o casamento […] decidira que nenhuma das figuras da sua lista poderia ter conhecido aquele tipo de satisfação […] Ali estava ele [Edward], um homem magnificamente realizado, ou quase realizado. Com vinte e três anos, já quase os tinha superado a todos.» (pp. 15-16)
  • «Ele [Edward] tinha nascido em Julho de 1940, na semana em que começou a batalha de Inglaterra.» (pág. 51). A batalha de Inglaterra, refere-se às hostilidades entre a Luftewaffe e a R.A.F. pelo domínio dos céus e pela supremacia aérea, iniciou-se a 10 de Julho de 1940 (quarta-feira).
  • «O Casal […] chegara ao entardecer ao hotel na costa de Dorset com um tempo que não era perfeito para meados de Julho» (pp. 7-8).
  • Seguindo as regras da aritmética mais simples, se o nosso herói nasceu em Julho de 1940, entre os dias 7 (domingo) e 13 (sábado), e se contava 23 anos, a acção desenrola-se, fatalmente, no ano de 1963, mais concretamente no Verão desse ano.

Referências musicais:

  • «Ele fê-la ouvir interpretações “desajeitadas mas respeitáveis” das canções do Chuck Berry pelos Beatles e os Rolling Stones.» (pág. 100). O primeiro single dos Rolling Stones saiu para o mercado a 7 de Junho de 1963, tratava-se de “Come On”, uma cover de uma canção de Chuck Berry. Todavia, segundo o The Complete Works of the Rolling Stones 1962 - 2007, entre 1962 e 1963, os Rolling Stones já tinham no seu repertório algumas canções de Chuck Berry: Brown-Eyed Handsome Man, Childhood Sweetheart, Don’t Lie To Me, Jaguar and Thunderbird, Johnny B. Goode, Little Queenie, No Money Down, Our Little Rendezvous e Sweet Little Sixteen. O período retratado nesta fase do livro, refere-se à fase do conhecimento mútuo pré-matrimónio, e neste caso relata os antagónicos gostos musicais de ambos. Episódio ocorrido, pelo menos, um ano antes do casamento.

Referências políticas:

  • «E ele [MacMillan] tinha despedido um terço do seu gabinete na “noite das facas longas”, o que exigia coragem. Mac the Knife, chamava-lhe um cabeçalho, Macbeth!, dizia outro.» (pág. 30). Nesta parte da narrativa, Edward tenta ocupar a sua mente com assuntos políticos para evitar ejacular precocemente, enquanto abraça Florence e ambos se beijam freneticamente. A “noite das facas longas” refere-se ao despedimento compulsivo de cerca de um terço dos membros do Governo pelo Primeiro-Ministro britânico Harold MacMillan numa só noite: 13 de Julho de 1962.

Conclusão: hipótese nula não rejeitada. Rectifica lá as datas, Hitchens. A acção principal da novela Na Praia de Chesil não decorre na fase pré-coito, ou se se preferir, na fase pré-Larkin, mas, impudicamente, durante o coito (ou a faso do).

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Aplausos

Autoridade da Concorrência multa PT em 38 milhões de euros por abuso de posição dominante.

Finalmente, alguém com coragem para abanar – não creio que seja, para já, o princípio do fim – as estruturas de um monopólio, mantido durante anos a expensas dos contribuintes e com o beneplácito dos governantes deste país – os mesmos que mais tarde, saídos do Governo, integravam os órgãos colegiais da dita empresa.

Actualmente, não tenho uma única relação comercial com a PT: telemóvel, internet, telefone fixo e televisão por cabo. Poupo mais de 50 euros mensais.

Sou PT Free há um ano! (e não foi necessário seguir o método dos 12 Passos).

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Mais Bellow

A Texto Editores – bendita seja – continua a publicar, na sua colecção “Grandes Autores – Prémio Nobel”, as obras do autor norte-americano, nascido no Canadá, Saul Bellow (1915-2005).
Depois de, nos dois últimos anos, haver editado os romances A Vítima, Henderson, O Rei da Chuva e Aproveita o Dia, a editora recentemente adquirida por Miguel Paes do Amaral, lançou hoje no mercado português O Planeta do Sr. Sammler, 7.º romance de Bellow, Nobel da Literatura em 1976.
Apesar deste esforço editorial considerável – a edição ou a reedição de obras de autores consagrados publicadas há dezenas de anos –, e centrando-me no caso concreto de Saul Bellow, continuam por editar em Portugal, fazendo fé na crítica especializada, duas das suas melhores obras: The Adventures of Augie March (1953) e Humboldt’s Gift (1975), respectivamente, os seus 3.º e 8.º romances.
Faço figas…


Abertura:
«Pouco depois do amanhecer, ou do que seria o amanhecer num céu normal, o Sr. Artur Sammler, com o seu olho de lince, examinou os livros e os papéis do quarto do West Side e teve fortes suspeitas de que aqueles eram os livros errados, os papéis errados.» (Saul Bellow, O Planeta do Sr. Sammler, Texto, 2007, pág. 5).

Obras de Saul Bellow publicadas em Portugal:

  • Na Corda Bamba (Dom Quixote, 1976; Dangling Man, 1944);
  • A Vítima (Texto, 2006; The Victim, 1947);
  • Aproveita o Dia (Texto, 2007; Seize the Day, 1956);
  • Henderson, o Rei da Chuva (Texto, 2006; Henderson the Rain King, 1959);
  • Herzog (Relógio D’Água, 1988; 1964);
  • O Planeta do Sr. Sammler (Texto, 2007; Mr. Sammler's Planet; 1970);
  • Morrem Mais de Mágoa (Livros do Brasil, 1990; More Die of Heartbreak, 1987);
  • Uma Recordação Minha (Teorema, 2005; Something to Remeber Me By, 1991) [inclui para além do conto epónimo, os contos: Um Furto – A Theft, 1989; A Organização Bellarosa – The Bellarosa Connection, 1989];
  • A Autêntica (Teorema, 2000; The Actual, 1997);
  • Ravelstein (Teorema, 2005; 2000).