quinta-feira, 5 de julho de 2007

Dan Brown dos intelectuais...

Houve já quem lhe tivesse chamado “o Dan Brown dos intelectuais”. Outros ainda deixaram de o ler quando verificaram que Kafka à Beira-Mar – o terceiro livro do autor a ser publicado em Portugal – se manteve, durante um tempo considerável, em posição cimeira nos tops de vendas de livros no nosso país, como se popularidade fosse sinónimo de mau gosto, de iliteracia e implicasse, desde logo, a menor qualidade do produto vendido.
Falo, é claro, do autor japonês, nascido em 1949 na cidade de Quioto, Haruki Murakami, a propósito da leitura recente do seu romance Em Busca do Carneiro Selvagem, originalmente publicado em 1982 no Japão – título em inglês: A Wild Sheep Chase.
O que há em Murakami? (utilizando para o efeito esta oração interrogativa própria, e tão típica, do coloquialismo de habla castellana).
Imaginação fértil, fantasia, e um conjunto personagens vulgares cujas vidas se conglomeram no quotidiano anódino e cinzento de uma sociedade tipicamente edificada na inexorabilidade dos padrões e ritmo de vida ocidentais.
Toda a prosa ficcional de Murakami parte da premissa da possibilidade de uma catarse, libertadora das trevas que agrilhoam o indivíduo a uma rotina dilacerante, posta em prática pela imaginação criadora da raça humana, ou melhor, possibilitada pelo seu dom único e exclusivo de sonhar. E o resultado é uma alegoria onde o transcendental, o divino, e o material e o mundano se entrecruzam num estranho jogo de símbolos levado aos limites do absurdo. Neste aspecto Murakami parece saber explorar todas a potencialidades do ilógico ou paradoxal, transversal ao enredo puramente hitchcockiano, ou melhor criado pelo Mestre dos mestres da sétima arte, onde nem sequer estranhamos, ou façamos disso a pedra basilar da nossa íntima avaliação do produto final, que para se perpetrar um homicídio se recorra, por exemplo, como em Intriga Internacional (North by Northwest, 1959), a uma avioneta agrícola de pulverização de colheitas para aniquilar o pobre Cary Grant numa estrada deserta, onde um simples tiro causaria menos espalhafato.
O absurdo é a matéria-prima do processo de construção plástica de Haruki Murakami, trazendo ao quadro final uma miscelânea de tons garridos que forma um todo harmonioso. Minimizar estas capacidades – entenda-se depreciar o autor sem que se alcance ou entenda o desenvolvimento do seu processo criativo – é pura desonestidade intelectual. O que é bem diferente da simples avaliação positiva ou negativa – ou até neutra – de acordo com o gosto eminentemente pessoal de cada leitor.

Com personagens poucos trabalhados e que por vezes parecem surgir do nada, com metáforas em certas ocasiões pueris e com um ritmo narrativo a dois tempos, umas vezes acelerado, outras vezes fastidiosamente lento, o terceiro romance da carreira literária de Haruki Murkami, Em Busca do Carneiro Selvagem – último da trilogia de O Rato –, revela-se como um produto final atabalhoado e pouco consistente; esteve longe de se aproximar das minhas exigências estético-literárias, perfeitamente alcançadas com romances como Norwegian Wood (1987, ed. port. 2004) ou Crónica do Pássaro de Corda (The Wind-Up Bird Chronicle, 1995; ed. port. 2006). Situá-lo-ia ao nível do desapontante Kafka à Beira-Mar (Kafka on the Shore, 2002; ed. port. 2006) e um pouco abaixo de Sputnik Meu Amor (Sputnik Sweetheart, 1999; ed. port. 2005).

Classificação: *** (A Ler)

Referência bibliográfica:
Haruki Murakami, Em Busca do Carneiro Selvagem
. Cruz Quebrada: Casa das Letras, 1.ª edição, Abril de 2007, 369 pp. (tradução de Maria João Lourenço; obra original: Hitsuji o meguru bōken, 1982).

7 comentários:

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

Sim, andré... este é mesmo o mais frágil. Mesmo assim, dos cinco que li, continuo a eleger o Kakfa à beira-Mar.
Mas bom , bom, é o Na Praia de Chesil, do McEwan, que estou a ler agora. Ontem acabei o Aproveita o Dia do Saul Bellow. Bons livros que tens sugerido com as tuas leituras e que ando a seguir!

Anónimo disse...

Obrigado, caro Fernado.
De facto, o livro de Bellow, agora reeditado, é uma pequena maravilha.
O Carneiro é mesmo dos mais fraquinhos do Murakami e já me havia esquecido da nossa pequena diferença quanto ao melhor do escritor japonês. Como sabes eu voto por Norwegian Wood ou então o Pássaro de Corda. Abraço

Anónimo disse...

O teu blogue continua muito bom. É um dos melhores, sem dúvida. Parabéns.

Anónimo disse...

Obrigado.
Sem palavras... Olha, que sejas re-bem-vindo, meu caro Pedro, já notava a falta das tuas habituais visitas, pelo menos pelo link do Corta-Fitas.
Abraço

Anónimo disse...

partilho a seu opinião. gostaria de ver mais critica literária no seu blog

cumpz

Anónimo disse...

Gosto imenso do autor! Pode ler várias críticas de literatura japonesa no seguinte blog: www.bungakuuu.blogspot.com Obrigada ^_^