sábado, 1 de março de 2008

M. Butterfly

(acompanhar com o texto, de preferência)

«Vós conheceis-me, não é verdade? Porquê? Porque sou uma celebridade. Faço rir as pessoas. Fiz rir toda a França. Mas se realmente o pudésseis entender… jamais vos haveríeis de rir. Bem pelo contrário. Homens como vós deveriam bater-me à porta suplicando-me que lhes contasse os meus segredos. Porque eu, René Gallimard, conheci e fui amado pela mulher perfeita.

Existe uma visão do Oriente que eu partilho: mulheres esguias, em qipaos e kimonos, que morrem pelo seu amor a indignos demónios estrangeiros. Elas nascem e são criadas para se tornarem mulheres perfeitas, aceitando qualquer tipo de castigo que lhes inflijamos e devolvem-no-lo fortalecido pelo amor. Incondicional. Esta visão converteu-se na minha vida.

O meu erro foi simples e absoluto. O homem que eu amei não era digno; não merecia sequer uma segunda oportunidade. Mas em troca eu dei-lhe o meu amor. Todo o meu amor.

O amor de que vos falo embotou os meus olhos. Por isso, agora, enquanto me olho ao espelho, não vejo mais que…

Eu tenho uma visão do Oriente. Nelas o mais profundo desejo morre, em silêncio. Mas continuam a ser mulheres. Mulheres dispostas a sacrificarem-se pelo amor de um homem. Mesmo por aquele cujo amor não merece respeito, é indigno. A morte com honra é preferível a uma vida com desonra.Assim… finalmente, aqui na prisão, longe da China, encontrei-a.

O meu nome é René Gallimard…. Também conhecido por Madame Butterfly.»

David Cronenberg’s M. Butterfly (1993), com Jeremy Irons, baseado na peça homónima de David Henry Hwang [tradução livre/versão de AMC, 2008, a partir da audição do monólogo]


Uma das cenas que marcará toda a História do cinema, e que já imortalizou o Mestre David Cronenberg (apesar de alguns recentes ostracismos inter pares).

Fundo musical: ária “Un bel dì vedremo” da terrivelmente melancólica Ópera de Giacomo Puccini (1858-1924) Madama Butterfly (1904), na banda sonora de Howard Shore, no filme de Cronenberg, interpretada pela Orquestra de Ópera de Budapeste com a soprano Maria Tereza Uribe, dirigida pelo maestro Adam Medveozky.

Dá-me para isto, quando a melancolia aperta... as minhas desculpas.

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