domingo, 2 de março de 2008

Orgulho e independência

«Mas isto já me acontecera mais do que uma vez na vida: recusara-me a permitir que as convenções determinassem a minha conduta para afinal aprender, depois de ter percorrido o meu próprio caminho, que os meus fundamentais e entranhados sentimentos eram mais convencionais do que a minha noção de inabalável imperativo moral.
[…]
Enfim, aprendemos com os nossos próprios erros. “Paciência”, pensei. “Quase se pode dizer que o dinheiro foi bem empregue para poder apreciar, uma vez mais, a comédia da nossa própria marca de presunçosa estupidez.”»
Philip Roth, Património, pp. 95-96
(Lisboa: Dom Quixote, 1.ª edição, Fevereiro de 2008, 214 pp.; trad. Fernanda Pinto Rodrigues; obra original: Patrimony, 1991)

Quantas vezes? Dez? Vinte? Foram tantas assim?
Facilmente nos convencemos de que apusemos uma moral certa nos nossos comportamentos, da laudatória singularidade do nosso temperamento, talvez à espera de que nos seja reconhecida essa superioridade: comentada, alardeada; disseminada por um conjunto tão alargado de pessoas, que, nos nossos devaneios de frágeis glórias, nos imaginamos no palco, escuro, sombrio, gélido, mas moderadamente aquecido por um foco incandescente que do outro lado nos encandeia, cerra-nos os olhos, e escancara os ouvidos aos “ahs!” e “bravos!”, aclamações de uma santidade, aplausos por um heroísmo, louvores por um acto que qualquer um dos encomiastas que convocámos para a festa da entronização, na sua cupidez de repartição do espólio, não atribui qualquer espécie de valor.

Quero a tua tigela de barbear, T. Mas que o meu orgulho de irmão, severa e definitivamente, ferido pela tua morte prematura não aceitou, distanciando-me, como diz Roth, de um objecto-símbolo da tua sobrevivência.

Nem nos damos conta dos actos brutais tão civilizados, da camisa de titânio que nos envolve e que, dia após dia, semana após semana, se vai apertando sem remissão, para que possamos ocultar, por pudor, a frágil estrutura de cristal que sustenta as nossas emoções. Depois… agora, é tarde de mais.

E é, talvez por isso, que não consigo pôr um fim a esta merda.

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