quinta-feira, 13 de março de 2008

Literatura

«Ria-me nalgumas partes, chorava noutras, e que mais pode uma pessoa querer de um livro senão isso mesmo – a possibilidade de sentir o delicioso aguilhão da alegria e a ferroada terrível da tristeza? Agora que chegou a minha vez de escrever um livro, não há um único dia em que não pense em Esopo lá em cima no seu quarto. Já lá vão sessenta e cinco Primaveras, mas é como se eu estivesse ainda a vê-lo sentado à secretária, rabiscando no papel almaço, avançando na redacção das suas memórias juvenis, enquanto a luz que se coava pela janela fazia ressaltar as partículas de poeira que dançavam à volta dele. Se me concentrar um pouco mais, ainda consigo ouvir a sua respiração, o ar que entrava e saía dos seus pulmões, ainda consigo ouvir o aparo da caneta arranhando o papel.»
Paul Auster, Mr. Vertigo, pág. 94
(Porto: Asa, 1.ª edição, Março de 2008, 306 pp.; tradução de José Vieira de Lima; obra original: Mr. Vertigo, 1994)

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