Para além da tentativa de dissecação do génio musical e poético, e da curta experiência de vida de Ian Curtis, a Ípsilon, numa lógica congruente – sofredores deste mundo, uni-vos... no nosso suplemento cultural de 16 de Novembro de 2007 –, dedica grande parte do seu espaço ao escritor inglês Malcolm Lowry (1909-1957), a propósito da comemoração dos 50 anos da sua morte por desventura e dos 60 anos da publicação da sua obra máxima Debaixo do Vulcão – agora reeditado pela Relógio D’Água, infortunadamente optando apenas pela revisão da tradução de 1961 de Virgínia Motta para a editora Livros do Brasil.
Para o leitor e meio que visita diariamente este blogue, não é de todo surpreendente a minha evocação de Lowry. Debaixo do Vulcão trata-se, de facto, de um dos livros da minha vida – incluído numa listagem que, à laia de exercício metaliterário, aqui publiquei há quase um ano –, e Geoffrey Firmin um dos personagens mais marcantes e fascinantes da história da literatura mundial – a ele, o Cônsul britânico em Quauhnahuac, se devem algumas das minhas rememorações literárias e associações simbólicas.
Sobre este anti-herói escrevi o que se segue – a propósito de outro criado pela pena de Iris Murdoch, o fabuloso e acidental, Austin Gibson Grey:
«A obra literária de ficção cria personagens mais ou menos ilustres, mais ou menos encantadores sob o ponto de vista do leitor/receptor, e na maioria das vezes avaliamo-la na sua globalidade, pelo todo que o mestre quis construir ao introduzir determinadas idiossincrasias. Trata-se de um simples jogo de estereótipos que conseguimos identificar nas relações que, como Homo Socialis, estabelecemos no dia-a-dia. Muitas vezes os personagens criados não perduram além da obra, noutras, porém, eles afirmam-se, ultrapassam a circunscrição dos caracteres impressos em papel e parecem ter vida própria fora dele, na nossa cabeça, nas nossas fantasias de leitores que veneram a literatura como forma de entretenimento e de íntimo preenchimento das imposições estéticas.
«Para apenas dar um exemplo do que acabei de professar – e suponho que o mesmo deverá ter ocorrido com a maioria das pessoas que leu a obra –, eis o cônsul britânico no México Geoffrey Firmin na obra-prima de Malcolm Lowry, Debaixo do Vulcão. Por muitos anos que distem da última vez em que lemos esse tratado involuntário do existencialismo literário, as atribulações do Cônsul no dia de finados de 1938 permanecem-nos na memória, mais pela amargurada existência que se foi construindo numa série de equívocos que o conduzem à sua aniquilação através do prazer inebriante do álcool que tudo faz esquecer, do que por qualquer predestinação advinda de uma vontade exterior inaudita e que resulta de um colectivo relacional, que ao invés parece girar em torno do seu supremo individualismo, materializado no seu desprendimento pelo mundo, pelo dever, pelo amor da sua Yvonne e pela afeição do seu irmão Hugh – o Mescal e a Tequila são o refúgio, a essência...» [autocitação: "amo-me!"].
2 comentários:
acho que li Debaixo do vulcão tarde demais, numa fase em que me desgostou de uma forma estranha (porque me desgostava e não consegui parar de ler). acho que foi depois desse livro que deixei de conseguir suportar bebidas brancas e livros que me desgostam. li-o à beira dos 30, enquanto seguia o filão do México onde estive nessa altura e que me trouxe livros fantásticos como "México" do Erico Veríssimo e "Lawless Roads" do Graham Greene. não se foi por vir depois desses, ou se foi mesmo por ser tarde demais na minha vida (às vezes penso: se o tivesse lido pelos 20, como Lobo Antunes, talvez tivesse gostado).
Uma amiga dizia-me que Debaixo do Vulcão era um romance que tinha a minha cara - ela costumava acusar-me de só gostar de romances cuja escrita era marcadamente masculina. Não gostou de Lowry.
Não sei se será ou não uma escrita viril, carregada de testosterona, porém é um hino ao romance multi-interpretativo e que gera discussão que se estende por longas tertúlias maniqueístas: ou se ama, e defendemo-lo com unhas e dentes, ou se detesta, e aí o argumento começa sempre pela ebriedade imanente a toda a obra.
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