A razão. Aquilo que me trouxe aqui a estas páginas. Há onze meses, expunha assim um dos fundamentos que me fizeram regressar à blogosfera, através de um novo sítio com outro nome (autocitação):
«Período de tempo […] no qual exorcizarei com auxílio da bloga os fantasmas que teimam ensombrar o período natalício pela falta que tu me fazes».
O Porque – igualmente inspirado em Sophia – foi o veículo ideal para a minha mundificação emocional, numa linguagem por vezes deliberadamente impenetrável para quem vivia fora da minha intimidade; o meio ideal para a exteriorização da minha revolta perante a sordícia, a corrupção e a doce impunidade constatadas neste país infecto, onde a Justiça – a fina ironia da palavra assim grafada… capitalizada, ó Kafka renascido –, se metamorfoseou, há muito, na máquina trituradora daqueles que dela têm sede.
Renovo os votos. Recomeço, insistindo na amplitude semântica do seu título latinizado: signo jurídico, condenação sem defesa, viver na ausência de…
Prometo. Isto passa. Catarse poética. Homem novo. Blogue aliviado do peso da angústia outonal.
Lúgubre solidão! Ó noite triste!
Como sinto que falta a tua Imagem
A tudo quanto para mim existe!
Tua bendita e efémera passagem
No mundo, deu ao mundo em que viveste,
À nossa boa e maternal Paisagem,
Um espírito novo mais celeste;
Nova Forma a abraçou e nova Cor
Beijou, sorrindo, o seu perfil agreste!
E ei-la agora tão triste e sem verdor!
Depois da tua morte, regressou
Ao seu velhinho estado anterior.
E esta saudosa casa, onde brilhou
Tua voz num instante sempiterno,
Em negra, intima noite se ocultou.
Quando chego à janela, vejo o inverno;
E, à luz da lua, as sombras do arvoredo
Lembram as sombras pálidas do Inferno.
Dos recantos escuros, em segredo,
Nascem Visões saudosas, diluídos
Traços da tua Imagem, arremedo
Que a Sombra faz, em gestos doloridos,
Do teu Vulto de sol a amanhecer...
A Sombra quer mostrar-se aos meus sentidos...
Mas eu que vejo? A luz escurecer;
O imperfeito, o indeciso que, em nós, deixa
A amargura de olhar e de não ver...
A voz da minha dor, da minha queixa,
Em vão, por ti, na fria noite clama!
Dir-se-á que o céu e a terra, tudo fecha
Os ouvidos de pedra! Mas quem ama,
Embora no silêncio mais profundo,
Grita por seu amor: é voz de chama!
E eu grito! E encontro apenas sobre o mundo,
Para onde quer que eu olhe, aqui, além,
A tua Ausência trágica! E no fundo
De mim próprio que vejo? Acaso alguém?
Só vejo a tua Ausência, a Desventura
Que fez da noite a imagem de tua Mãe!
A tua Ausência é tudo o que murmura,
E mostra a face triste à luz da aurora,
E se espraia na terra em sombra escura...
Quem traz o Outono ao meu jardim agora?
Quem muda em cinza o fogo do meu lar?
E quem soluça em mim? Quem é que chora?
É a tua Ausência, Amor, que vem turbar
Esta alegria etérea, nuvem, asa
De Anjo que, às vezes, passa em nosso olhar!
O Sol é a tua Ausência que se abrasa,
A Lua é tua Ausência enfraquecida...
Da tua Ausência é feita a minha vida
E os meus versos também e a minha casa.
Teixeira de Pascoaes, “Ausência”, Elegias (1912).
Renovo os votos. Recomeço, insistindo na amplitude semântica do seu título latinizado: signo jurídico, condenação sem defesa, viver na ausência de…
Prometo. Isto passa. Catarse poética. Homem novo. Blogue aliviado do peso da angústia outonal.
Lúgubre solidão! Ó noite triste!
Como sinto que falta a tua Imagem
A tudo quanto para mim existe!
Tua bendita e efémera passagem
No mundo, deu ao mundo em que viveste,
À nossa boa e maternal Paisagem,
Um espírito novo mais celeste;
Nova Forma a abraçou e nova Cor
Beijou, sorrindo, o seu perfil agreste!
E ei-la agora tão triste e sem verdor!
Depois da tua morte, regressou
Ao seu velhinho estado anterior.
E esta saudosa casa, onde brilhou
Tua voz num instante sempiterno,
Em negra, intima noite se ocultou.
Quando chego à janela, vejo o inverno;
E, à luz da lua, as sombras do arvoredo
Lembram as sombras pálidas do Inferno.
Dos recantos escuros, em segredo,
Nascem Visões saudosas, diluídos
Traços da tua Imagem, arremedo
Que a Sombra faz, em gestos doloridos,
Do teu Vulto de sol a amanhecer...
A Sombra quer mostrar-se aos meus sentidos...
Mas eu que vejo? A luz escurecer;
O imperfeito, o indeciso que, em nós, deixa
A amargura de olhar e de não ver...
A voz da minha dor, da minha queixa,
Em vão, por ti, na fria noite clama!
Dir-se-á que o céu e a terra, tudo fecha
Os ouvidos de pedra! Mas quem ama,
Embora no silêncio mais profundo,
Grita por seu amor: é voz de chama!
E eu grito! E encontro apenas sobre o mundo,
Para onde quer que eu olhe, aqui, além,
A tua Ausência trágica! E no fundo
De mim próprio que vejo? Acaso alguém?
Só vejo a tua Ausência, a Desventura
Que fez da noite a imagem de tua Mãe!
A tua Ausência é tudo o que murmura,
E mostra a face triste à luz da aurora,
E se espraia na terra em sombra escura...
Quem traz o Outono ao meu jardim agora?
Quem muda em cinza o fogo do meu lar?
E quem soluça em mim? Quem é que chora?
É a tua Ausência, Amor, que vem turbar
Esta alegria etérea, nuvem, asa
De Anjo que, às vezes, passa em nosso olhar!
O Sol é a tua Ausência que se abrasa,
A Lua é tua Ausência enfraquecida...
Da tua Ausência é feita a minha vida
E os meus versos também e a minha casa.
Teixeira de Pascoaes, “Ausência”, Elegias (1912).
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