Convencionou-se, de forma tácita, que Tim Burton é um bom crachá para alardear uma certa intelectualidade cinematográfica. Não gostar de Burton é não gostar de cinema. Não ver os seus filmes fará, com toda a certeza, acusar uma certa dose de filistinismo no balão da altivez cultural. Em claro paradoxo metafórico, criminoso é aquele que, perante o largo espectro de recursos cinematográficos empregados, potenciados por uma mente imaginosa corporizada numa imensa e cara fábrica de ilusões, não se deixa inebriar por tamanho esforço artístico e tal arrojo estético.
Para ser sincero – e com alguma pena minha, porque é precisamente a dura ausência de alguém que o idolatrava o (um dos) leitmotiv deste blogue –, Tim Burton nunca me convenceu: ele é muito fogo-de-artifício, muita cor e malabarismos de câmara, um desmesurado exibicionismo do grotesco e do macabro, os finais ribombantes, apoteóticos e cataclísmicos, como expressão máxima da sua extravagância imagética. É, em suma, recorrendo à fisiologia e a um pequeno motejo semântico, o paroxismo fílmico da pirotecnia plasmático-fluidal.
O Sweeney Todd de Burton baseia-se num musical da Broadway de 1979 (Sweeney Todd, the Demon Barber of Fleet Street) criado por um dos mais icónicos compositores americanos dessa vertente das artes do palco, Stephen Sondheim.
Na origem do sucesso de Sondheim está a obra criada na primeira metade do século XIX e inicialmente publicada em folhetins num dos pasquins fundados pelo editor britânico Edward Lloyd – os famosos penny dreadful –, que contratou à peça um tal de Thomas Peckett Prest (o putativo pai da obra).
No filme de Burton, todos cantam: Depp, Bonham-Carter (casada com Burton), Rickman e até, imagine-se, o irritante Borat. De facto é um musical, embora atípico, na medida em que se desvia do arquétipo cénico dos grandes e vetustos musicais de Hollywood.
Ao contrário da opinião da maioria da crítica e dos nomeadores profissionais que integram a chusma de sessões de atribuição de prémios que se realiza por esta altura, que exageram na sua eloquência encomiástica, considero perfeitamente mediana a interpretação dos trechos de diálogo e de monólogo cantados. Tentando, de forma falaciosa, comparar o incomparável, basta que apenas nos recordemos do último filme de Christophe Honoré, As Canções de Amor (Les chansons d’amour, 2007), e da excelência interpretativa do jovem elenco.
Porém, é no exibicionismo gore que Burton perde em toda a linha. A crua e gratuita explicitação da violência, assim como a subentendida – como exemplo a mera sugestão de canibalismo via ingestão de empadas de carne, que, a propósito, passou a substituir a de gato com a chegada de Sweeney Todd –, é de presença assídua do princípio ao fim do filme, embora essa gratuitidade siga um processo gradual de intensificação que culmina numa orgia de ossos, miolos, entranhas e sangue. E se, em termos gerais, a plástica contemporânea da violência no cinema não é susceptível de fazer retinir as minhas campainhas da denominada licenciosidade artística, já a inexorável tendência górica ou gótica nas artes visuais deixa-me completamente nauseado. Não lhe vislumbro uma finalidade, mesmo que meramente estética. É gratuita. É pura pornografia. Nada deve à arte. Mesmo que, enquanto se esquarteja, se assista a uma fabulosa representação vocal de uma ária de Mozart ou de um lied de Schubert.
Johhny Depp e Helena Bonham-Carter são dois excelentes actores.
John Holmes e Ilona Staller (aka Cicciolina) eram considerados os melhores no seu ofício, mas não mudaria a minha apreciação sobre a qualidade da obra se Holmes (Sweeney), enquanto sofria uma felação praticada com inigualável destreza por Ciccio (Mrs. Lovett), cantasse para a sua navalha reluzente as palavras de Sondheim «There there, my friend... / Come, let me hold you...» ao som da sua música.
Para ser sincero – e com alguma pena minha, porque é precisamente a dura ausência de alguém que o idolatrava o (um dos) leitmotiv deste blogue –, Tim Burton nunca me convenceu: ele é muito fogo-de-artifício, muita cor e malabarismos de câmara, um desmesurado exibicionismo do grotesco e do macabro, os finais ribombantes, apoteóticos e cataclísmicos, como expressão máxima da sua extravagância imagética. É, em suma, recorrendo à fisiologia e a um pequeno motejo semântico, o paroxismo fílmico da pirotecnia plasmático-fluidal.
O Sweeney Todd de Burton baseia-se num musical da Broadway de 1979 (Sweeney Todd, the Demon Barber of Fleet Street) criado por um dos mais icónicos compositores americanos dessa vertente das artes do palco, Stephen Sondheim.
Na origem do sucesso de Sondheim está a obra criada na primeira metade do século XIX e inicialmente publicada em folhetins num dos pasquins fundados pelo editor britânico Edward Lloyd – os famosos penny dreadful –, que contratou à peça um tal de Thomas Peckett Prest (o putativo pai da obra).
No filme de Burton, todos cantam: Depp, Bonham-Carter (casada com Burton), Rickman e até, imagine-se, o irritante Borat. De facto é um musical, embora atípico, na medida em que se desvia do arquétipo cénico dos grandes e vetustos musicais de Hollywood.
Ao contrário da opinião da maioria da crítica e dos nomeadores profissionais que integram a chusma de sessões de atribuição de prémios que se realiza por esta altura, que exageram na sua eloquência encomiástica, considero perfeitamente mediana a interpretação dos trechos de diálogo e de monólogo cantados. Tentando, de forma falaciosa, comparar o incomparável, basta que apenas nos recordemos do último filme de Christophe Honoré, As Canções de Amor (Les chansons d’amour, 2007), e da excelência interpretativa do jovem elenco.
Porém, é no exibicionismo gore que Burton perde em toda a linha. A crua e gratuita explicitação da violência, assim como a subentendida – como exemplo a mera sugestão de canibalismo via ingestão de empadas de carne, que, a propósito, passou a substituir a de gato com a chegada de Sweeney Todd –, é de presença assídua do princípio ao fim do filme, embora essa gratuitidade siga um processo gradual de intensificação que culmina numa orgia de ossos, miolos, entranhas e sangue. E se, em termos gerais, a plástica contemporânea da violência no cinema não é susceptível de fazer retinir as minhas campainhas da denominada licenciosidade artística, já a inexorável tendência górica ou gótica nas artes visuais deixa-me completamente nauseado. Não lhe vislumbro uma finalidade, mesmo que meramente estética. É gratuita. É pura pornografia. Nada deve à arte. Mesmo que, enquanto se esquarteja, se assista a uma fabulosa representação vocal de uma ária de Mozart ou de um lied de Schubert.
Johhny Depp e Helena Bonham-Carter são dois excelentes actores.
John Holmes e Ilona Staller (aka Cicciolina) eram considerados os melhores no seu ofício, mas não mudaria a minha apreciação sobre a qualidade da obra se Holmes (Sweeney), enquanto sofria uma felação praticada com inigualável destreza por Ciccio (Mrs. Lovett), cantasse para a sua navalha reluzente as palavras de Sondheim «There there, my friend... / Come, let me hold you...» ao som da sua música.
É mau. Muito mau.
1 comentário:
Tenho pena. A cada passo que dou recordo o «Big Fish».
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