segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Nabokov on Kafka

Vladimir NabokovNão, não vou falar sobre o tema recorrente das injustiças cometidas pela Academia Sueca na atribuição dos prémios Nobel da Literatura. É certo que juntei, num deslumbrante e complexo par, os imortais Vladimir Nabokov (1899-1977) e Franz Kafka (1883-1924), mas nem o primeiro publicou em vida material suficiente para despertar a atenção do ininteligível grupo de nórdicos – note-se que os seus três romances O Processo (Der Prozeß, 1925), O Castelo (Das Schloß, 1926) e América (Amerika / Der Verschollene, 1927) foram publicados postumamente pelo seu amigo Max Brod, felizmente um mau executor enquanto testamenteiro –, nem o segundo era politicamente correcto, como russo branco: ele e a família fugiram de São Petersburgo após a subida ao poder do regime bolchevique em 1917, exilando-se em Inglaterra em 1919 e posteriormente na Alemanha, seguindo-se em 1937 a França; mudou-se para os Estados Unidos em 1940 com a entrada dos nazis em Paris; deixou a América em 1960, instalando-se definitivamente em Montreux, na Suíça, onde morreu em 1977.

Mas, o que me trouxe aqui, a estas curtas linhas de quase divagação, foi a descoberta de um tesouro no imenso oceano videográfico do YouTube. Trata-se de um curto programa televisivo de 1989, realizado pelo húngaro Peter Medak, que recria a prelecção de Nabokov na Cornell University na Califórnia sobre a obra-prima A Metamorfose (Die Verwandlung, 1915) de Franz Kafka, inserida nas suas famosas e publicadas Aulas de Literatura*.
No papel de Nabokov vemos Christopher Plummer que, aparentemente, bem vestido e caracterizado para o efeito, se assemelha na indumentária e em alguns traços fisionómicos ao escritor russo-americano. Mas conta quem o ouviu e/ou assistiu às suas aulas que tanto a dicção como a postura e o temperamento – cínico, sobranceiro e verrinoso – foram fielmente reproduzidos por Plummer, como se nele houvesse encarnado o espectro do rutilante autor de Lolita e de Fogo Pálido.

Para os fãs, os mais atentos às paixões e ódios de Nabokov, a frase que se segue encaixa nas suas Opiniões Fortes e na imperativa Speak, MemoryNa Outra Margem da Memória, em Portugal:

«[Kafka] is the greatest German writer of our times. Yes, yes (…) such poets as Rilke or such novelists as Thomas Mann are dwarfs and plaster saints in comparison to him.»
(Como foi possível Nabokov, mesmo em duas curtas frases, não haver introduzido o nome do Bruxo Vienense ou um epíteto deste género?)



Carregar aqui para ver a 2.ª parte do vídeo.
Falta a 3.ª parte, resta esperar e apelar à indulgência do utilizador do YouTube que colocou as partes anteriores.


*Livro editado em Portugal: Vladimir Nabokov, Aulas de Literatura. Lisboa: Relógio D’Água, 1.ª edição, 2004, 446 pp. (tradução de Salvato Telles de Menezes; introdução e posfácio de Helena Ayala Botto (ed. port.); introdução de John Updike; obra original: Lectures on Literature, 1980).

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