O acaso. Encontrei uma brecha para, com toda a propriedade de crítico de circunstância, poder zurzir em Auster pelo seu filme A Vida Interior de Martin Frost que, ao que por aí se diz e apelando à minha memória intermitente e nublada – outrora de elefante, segundo me juravam abonar os mais próximos –, repisada posteriormente pela crítica do Luís Miguel Oliveira, quanto menos dele se falar, menos amolgada sairá a imagem do autor.
Todavia, algo ou alguém, embora, à partida, haja encaminhado toda a minha fúria à máquina dispensadora de bilhetes de parque em urgente processo de actualização de software, impediu que chegasse à bilheteira a tempo de assistir à projecção de tão mal afamado filme. Não foi desta. Paciência.
Nem tudo se perdeu. À hora a que cheguei à dita bilheteira, após uma corrida (lenta) de elevador panorâmico, enjaulado com três catraias entre os 12 e os 14 anos a soltar impropérios discricionários, cuja grosseria faria corar uma peixeira do Bolhão, iniciava-se a exibição do último filme de Christophe Honoré, As Canções de Amor (Les chansons d’amour), com Louis Garrel como protagonista.
Sobre o filme não falarei, até porque há quem dele haja falado com toda a propriedade. No entanto, não sei se é o espírito que se adapta à coisa e dela tem a percepção da sua plena maleabilidade para a satisfação do desejo, ou se a coisa por lá se queda esperando a nossa, e bem antecipada, comparência: o surgimento do inescrutável momento linear que nos transporta por vias ainda mais sinistras, obscuras, que parecem cumprir um objectivo há muito programado por uma mão pretensamente divina, onde apenas se nos apresenta o resultado final.
Outubro, o mês de todos os meus medos…
Foi em Paris que assisti à criação do nódulo que, de forma inexpugnável e definitiva, concretizado em morte onze meses depois, iria ensombrar e condenar uma vida, a minha vida, a uma dor atroz e perene pela falta que me fazes, pela tua partida a destempo, pela tua ausência.
Adiante…
Na imagem Louis Garrel, poderoso, austero, com a sua tão própria e paradoxal fleuma expressiva e camaleónica, uma das mais sólidas promessas no campo performativo do cinema mundial, vagueando pelas ruas de Paris, esplendorosa, imponente, características que, em concomitância com o mais negro dos sofrimentos, esmagam o desalentado ou aquele cuja fé se vai desvanecendo… o céu cinzento de Paris, a melancolia magistralmente captada por Honoré, e as canções… de amor de Alex Beaupain.
Alex Beaupain – “Au Parc” (cantada por Chiara Mastroianni)
Même soleil d'hiver
Mêmes bruits de brindilles
Le bout des doigts glacé
Le givre sur les grilles
Mêmes odeurs d'humus
La terre qui se terre
Tout y sera, tout y sera
A part toi
Parc de la Pépinière, fin de semaine,
Encore une heure, encore une heure à peine,
Encore une heure de jour et la nuit vient
Même température,
Le mercure à zéro
Même mélancolie fauve
Au portillon du zoo
Mêmes parents pressés,
Leurs enfants en manteaux
Tout y sera, tout y sera
A part toi
Parc de la Pépinière, fin de semaine,
Encore une heure, encore une heure à peine,
Encore une heure de jour et la nuit vient
J'aurais beau décalquer
Refaire les mêmes parcours
Reprendre les mêmes allées
Au mêmes heures du jours
J'aurais beau être la même
J'aurais beau être belle
Tout y sera, tout y sera
A part toi
Parc de la Pépinière, fin de semaine,
Encore une heure, encore une heure à peine,
Encore une heure de jour et la nuit vient
Et puis... rien.
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