quinta-feira, 4 de outubro de 2007

The Twofer

Michiko KakutaniRoth já o havia confirmado, Nathan Zuckerman – para muitos o alter-ego do autor norte-americano – despede-se do público com Exist Ghost, o nono livro a contar com o atormentado personagem – décimo com a compilação Zuckerman Bound (1985) –, havendo intervindo em seis como protagonista (incluindo o mais recente) e nos restantes como narrador e personagem secundário.
Depois da valente zurzidela em Todo-o-Mundo (Everyman, 2006), que foi devidamente precedida por outras impiedosas recensões, com destaque para Teatro de Sabbath (Sabbath’s Theater, 1995), Michiko Kakutani, crítica literária residente do periódico
The New York Times, vencedora do Pulitzer para a Crítica em 1998 pela sua «escrita apaixonada e inteligente sobre livros e literatura contemporânea» [tradução AMC], aprova o último romance de Philip Roth – o que pode significar que, de facto, o achou uma maravilha, dada a sua embirração com o escritor de Newark e quejandos (já lá vamos…)
Em boa verdade, para a letrada nipo-americana nem tudo é mau com Roth. Kakutani sempre se confessou como admiradora incondicional da Trilogia Americana (do pós-guerra), com especial destaque para Pastoral Americana (American Pastoral, 1997) – curiosamente, o meu romance preferido, entre a dezena que tive a oportunidade de ler de Philip Roth.
Porém, a misoginia latente nas restantes obras do autor, a informal, solta e obscena linguagem usada – na minha óptica, um dos temperos que contribuem para a excepcionalidade do produto final rothiano –, acrescentando-se, segundo palavras da própria, a superficialidade ou lhaneza de algumas das suas últimas obras como Animal Moribundo (The Dying Animal, 2001) e de Todo-o-Mundo, deram-lhe o ensejo para desancar, através de uma prosa rebuscada, perifrástica e com grande intensidade adjectival, usando a sua página no The New York Times Book Review como veículo da sua verrina, um dos mitos vivos da literatura norte-americana, cuja obra será publicada na íntegra, e ainda em vida, na Library of America.
Mas Philip Roth não é a única presa nas garras do falcão desgrenhado de origem japonesa. Aliás, Kakutani é suficientemente conhecida pela sua acerba implicância com os escritores anglo-saxónicos, brancos e do sexo masculino, e quase todos pertencentes à mesma geração: Updike e Pynchon, para além do já ido pai Bellow, e, em especial, Norman Mailer, com quem já se envolveu em ferozes altercações, chegando ao ponto de este último se ter visto na obrigação de defender Roth, com o qual mantém uma animosidade surda, de origem bellowniana, quando Kakutani trucidou Teatro de Sabbath.
Em 2005, em entrevista à revista Rolling Stone, Mailer disse:
«Kakutani é uma mulher kamikaze. Ela despreza os escritores masculinos e brancos, e eu sou o seu alvo preferido […] Todavia, os editores do Times não a podem despedir. Eles têm medo dela. Com as leis de discriminação e por aí fora, bom, ela é uma “três em um”[1]… Asiática, feminista, e… ah, qual é a terceira? Bom… vamos antes chamá-la de “dois em um”[2]… Ela é um adereço, e, provavelmente, lá no fundo, ela sabe disso.» [tradução AMC]

Shame on you, Mr. Mailer. (O autor deste blogue a aderir ao p.c.)

Notas:
[1] Tradução aproximada para “Threefer”, uso mais correcto em “conjunto de três produtos pelo preço de um”.
[2] Tradução aproximada para “Twofer”, mais correcto “conjunto de dois produtos pelo preço de um”. Pode também utilizar-se para mencionar uma pessoa pertencente a dois grupos minoritários ou objecto de discriminação, beneficiária por duas vias de um sistema de quotas (cf. "
twofer." Dictionary.com Unabridged (v 1.1). Random House, Inc. 04 Oct. 2007. No caso Mailer referia-se à condição de “mulher asiática”.

Recomendação: Ler o artigo The Twilight of the Old Goats de autoria do jornalista, crítico literário e ensaísta D.T. Max, publicado em Maio de 1997 na revista digital Salon.

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