sábado, 6 de janeiro de 2007

Babel

BABELHoje (ontem) fui ver Babel, o tal filme (que promete) sensação nos meios cinematográficos internacionais, havendo já arrecadado três prémios em Cannes (incluindo o de melhor realizador, o mexicano Alejandro González Iñárritu) e estando já nomeado pela HFPA para sete Globos de Ouro (sessão de entrega marcada para o próximo dia 15 em Beverly Hills).
Confesso que o seu visionamento foi condicionado por
esta opinião de Ricardo Gross (um dos meus barómetros na blogosfera no que toca à Sétima Arte). Esperava assim um filme bem distante da excelência de Amor Cão (2000) e da perfeição estética de 21 Gramas (2003). Talvez por isso, à medida que assimilava o entendimento que dele retirei após a exibição dos créditos finais, me tenha sinceramente deixado seduzir pelos argumentos de Iñárritu e companhia. Babel não é um filme de actores e muito menos de personagens (porventura intencionalmente esvaziados de densidade romanesca). Não quero com isto dizer que não há excelentes interpretações, porque Brad Pitt (Richard) está no seu melhor, Rinko Kikuchi (Chieko) encanta e surpreende com a sua destreza interpretativa, Adriana Barraza (Amelia) é simplesmente genial e o pequeno Boubker Ait El Caid (Yussef) é admirável. No entanto, este é um filme de argumento e de realização, e colateralmente de cinematografia, montagem e banda sonora*.
Vi há pouco a entrevista dada por Iñárritu onde este fala do tal efeito do “bater de asas de uma borboleta em Tóquio…” e das rotuladas desumanidades que ocorrem quotidianamente na fronteira entre o México e os Estados Unidos. Resumidamente, por um lado, defende-se a tese de que isto no mundo anda tudo relacionado e, por outro, a do imperialismo despótico exercido pelos mais ricos.
Centro-me na primeira. Talvez não exista o apregoado livre arbítrio, ou talvez a sua intensidade seja menor que aquela que supostamente haveríamos convencionado. Todavia, com isto tudo uma coisa torna-se certa: dever-se-iam proibir as entrevistas à posteriori dos denominados filmmakers quando estas encerram o objectivo de orientar os sentidos do povo (aprioristicamente considerado como néscio) em determinada direcção. Esse exercício (o autor a falar daquilo que pretende com as suas obras) coarcta a liberdade contemplativa e o próprio fascínio multidimensional que uma obra de arte é susceptível de emanar. Uma coisa é a opinião dos críticos, outra é a imposição na interpretação da putativa mensagem. Por exemplo, que eu saiba, Paul Verhoeven nunca foi chamado a pronunciar-se sobre o final da sua obra-prima Instinto Fatal e tão-pouco sobre a denominada moral da história. Estou certo de que se o fizesse arruinaria o encantamento que a obra despertou e que gerou, de forma espontânea, tantas tertúlias por esse mundo fora. Neste ponto dou razão ao
Ricardo quando fala do pretensioso «messianismo» e da sub-reptícia autoproclamação de zelador da «consciência moral» pelo realizador mexicano.

Em jeito de conclusão, tentando deixar cair esses preconceitos (e alguns pós conceitos), confesso que o filme me deixou plenamente satisfeito. Dispõe de um argumento bem urdido e de uma eminentíssima qualidade de realização que, diga-se em abono da verdade, Iñárritu já nos habituou com os exemplos das suas duas anteriores longas-metragens.
Babel afigurou-se-me como uma efabulação da destruição auto-infligida pelo Homem. Lembrou-me Sebald e os seus livros (editados este ano pela Teorema em Portugal) História Natural da Destruição e Os Anéis de Saturno; a natureza humana cujos actos de destruição não conscientes se repetem pelo simples facto de se estar vivo, como uma máquina que se vai aperfeiçoando até à sua total aniquilação.
Que animal estranho este que, coabitando neste mundo com outras espécies, à partida menos inteligentes na nossa ufana concepção das coisas, que evoluem e se transformam com o fim último das suas perpetuação e sobrevivência, inexoravelmente vai caminhando, pela cupidez e pela sede insaciável de poder, para a sua própria extinção.
Babel não trata apenas da perniciosa pobreza de espírito dos ricos e poderosos, fala-nos da obstinada tentativa de uniformização da diferença que nos enriquece, como se houvesse um escrutável paradigma civilizacional que urge adoptar-se, a perfeição... a linguagem de Deus.


*Depois da excelente banda sonora em Brokeback Mountain (a única coisa que realmente considerei aproveitar-se depois de espremido o dito filme), Gustavo Santaolalla criou uma vez mais uma banda sonora perfeitamente indissociável do filme e que lhe dá vida nos momentos certos.

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