sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

As Bandeiras dos Outros


Desde 1998, ano em que estreou Barreira Invisível (The Thin Red Line) de Terrence Malick, poucos ou nenhuns foram os filmes ditos de guerra que verdadeiramente me entusiasmaram – e falo apenas daqueles que se centram no teatro de operações. Confesso, todavia, que se trata de um género cinematográfico que nunca me encheu as medidas. Contam-se pelos dedos das mãos os filmes do género que realmente exerceram sobre mim algum fascínio. Assim de repente lembro-me de Lawrence da Arábia e de A Ponte sobre o Rio Kwai de David Lean, Nascido para Matar de Kubrick, O Caçador de Michael Cimino, Apocalipse Now de Coppola ou, por exemplo, de O Dia mais longo, e outros haverá que a minha memória instantânea – à medida que escrevo este texto – não consegue alcançar.
Hoje vi o último filme realizado pelo enorme Clint Eastwood, chama-se As Bandeiras dos Nossos Pais (The Flags of Our Fathers), produzido por um duo maravilha composto por ele próprio e Steven Spielberg.

À medida que o tempo foi passando, a minha admiração por Eastwood foi aumentando à razão de uma progressão geométrica. De facto, o meu entusiasmo pelo actor/realizador evoluiu dos tempos de simples desprezo pelas cabotinagem e boçalidade hollywoodescas de Harry Callahan – a.k.a. "Dirty" Harry – até ao paroxismo do deslumbramento pelos seus desempenhos como realizador e actor em Million Dollar Baby (2004).
Falando do realizador e se contarmos o período compreendido entre a estreia de O Sargento de Ferro (1986) e a actualidade, de entre os 14 filmes realizados – não contando com este último e com o ainda não estreado Letters from Iwo Jima – não vi apenas Caçador Branco, Coração Negro (1990) e – por uma manifesta urticária que me provoca o género – o filme galardoado com 4 Óscares Imperdoável (1992) – e com toda a razão!
Dos 12 filmes referidos, metade conseguiu atingir, na minha óptica, o patamar da excelência (por ordem cronológica os melhores e a bold os melhores dos melhores): Bird (1988), Um Mundo Perfeito (1993), Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal (1997), Um Crime Real (1999), Mystic River (2003) e Million Dollar Baby (2004).

As Bandeiras dos Nossos Pais é um filme com um casting sofrível, uma banda sonora – uma vez mais criada por Eastwood – banal e discreta, e uma história de base simples e escorreita, sem a magia exigível a uma narrativa adaptável à sétima arte – facto que se vai tornando num lugar-comum –, que o argumentista Paul Haggis – oscarizado em 2006 pelo Melhor Argumento Original com Crash – tentou espremer. É de notar que, segundo informação retirada do
IMDB, a adaptação do anterior argumento esteve a cargo de William Broyles Jr. que já havia sido rejeitado em 2001 por Steven Spielberg, que à data era o detentor em exclusivo dos direitos do livro que lhe serviu de base.

O filme vale pela excepcional realização, com dignos momentos de cortar a respiração sublimemente materializados quando a acção se centra no assalto à praia da minúscula ilha de Iwo Jima. Arrisco-me a dizer que será, certamente, o filme em que o engenho criativo de Eastwood é aplicado com todo o seu esplendor. As imagens aéreas, o desembarque dos fuzileiros nos seus veículos anfíbios, toda a movimentação da câmara e os jogos de luzes e de perspectivas no momento em que os batedores arriscam a vida num solo que lhes é completamente estranho e hostil, coadjuvados por uma irrepreensível cinematografia de Tom Stern, fazem com que se dê por bem aplicado o tempo e o dinheiro despendidos com visionamento do filme.

Aos 76 anos e após a realização de As Bandeiras dos Nossos Pais, Clint Eastwood demonstrou uma vez mais que merece um lugar no clube restrito dos melhores realizadores de sempre da indústria cinematográfica de Hollywood e se, ao que tudo indica, receber o merecidíssimo Oscar para Melhor Realização – e digo isto apesar de não ter visto alguns dos prováveis candidatos –, Scorsese ficará mais um ano em branco. E depois… depois ainda há Iñárritu… Todavia, já foi demonstrado à saciedade que com as bandeiras dos outros pode Eastwood bem!

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