quarta-feira, 31 de maio de 2006

Fiat Lux #5: Leviathan

Intróito
Durante algum tempo, quando num processo meramente introspectivo analisava o prazer da leitura dos livros de Auster, Leviathan – livro dedicado a Don DeLillo, que acabara de publicar o seu extraordinário romance, de 1991, «Mao II», que para quem já o leu perceberá as semelhanças – foi o meu romance preferido do autor. Pela pertinência, pelo cenário, pelas densidade e complexidade dos personagens e pelo estilo da narrativa diferente de todos os romances anteriormente lidos. O acaso está presente, porém de uma forma subliminar, sob a forma da aleatoriedade e da volatilidade comportamental que, actualmente, marcam as relações humanas nas sociedades ocidentais. Longe do tal contrato social preconizado por Hobbes, retrata a sociedade americana alheada num estado de ebulição latente à espera que, de um momento para o outro, uma simples faísca acenda um rastilho que inexoravelmente fará eclodir a loucura intrínseca de um todo sem valores, crenças e referências morais.

«Há seis dias, um homem foi morto por uma explosão na berma de uma estrada algures no norte do Wisconsin. Não houve testemunhas, mas tudo indica que estava sentado no chão, junto ao seu carro, quando a bomba que estava a montar explodiu acidentalmente. Segundo o relatório médico-legal que acaba de ser divulgado, o homem teve morte instantânea. O corpo voou em dezenas de pedaços, de tal modo que foram encontrados bocados do cadáver a quinze metros do local da explosão. Até hoje (4 de Julho de 1990), ninguém parece ter a menor ideia de quem era o morto. O FBI (…)

Quanto a mim, quanto mais tempo demorarem [na investigação da identidade do cadáver], melhor. A história que me sinto obrigado a contar é particularmente complicada, e, se não chegar ao fim antes de eles apresentarem a sua solução para este mistério as palavras que vou escrever não terão o menor significado.»
Paul Auster, em Leviathan, Asa, 1.ª Edição, Outubro de 2003, pp. 9-10
[Tradução de José Vieira de Lima] (Leviathan, 1992)

1 comentário:

Anónimo disse...

E este foi um dos livros do Auster que me apeteceu reler.