Como tem sido hábito desde a fundação deste blogue, que já
passou por dois encerramentos e outros tantos regressos com nomes diferentes, a
minha fúria listómana termina com a publicação dos melhores livros editados em
Portugal durante o ano em
causa. Não se trata, porém, de uma novidade, já que sempre
existiu uma coluna do lado direito que vai engrossando à medida que novos
títulos que emergiram no mercado editorial português vão passando sob os meus
olhos ávidos de bibliómano. Infelizmente, a lista deste ano é mais curta que a
dos seus predecessores, todavia é sobre ela que exponho, agora numa escala
ordenada, os meus encantamentos literários.
Chega o momento de repetir à laia de aviso/disclaimer o
processo de selecção:
Ao contrário de qualquer lista publicada nos órgãos de
informação convencionais por um ou mais críticos, por meio de qualquer espécie de votação (nem que seja através de uma peroração avaliadora na sua recensão), o único critério que preside à escolha dos livros
editados durante o ano para as minhas particulares sessões de leitura e sua
posterior classificação (com publicação imediata no blogue) é apenas o meu
gosto pessoal por determinados autores, por determinada escola literária ou por
certo tipo de narrativas, embora a escolha possa haver resultado da indicação
de alguém, seja um crítico literário ou um mero leitor, que me recomendou a sua
leitura e, como é óbvio, desde que eu lhe confira algum tipo de autoridade na
matéria – há críticos e críticos, e há leitores mais conformes às minhas
preferências estético-literárias, mesmo que não os suporte. Assim, este tipo de
listagem sofre, à partida, de um vício de forma, e que leva a que a maioria dos
livros classificados se situe nos graus mais elevados de apreciação literária: uma
escolha apriorística e condicional, sem a isenção que outros terão de apor no
processo de selecção da obra a analisar, condição necessária à integridade de
um crítico – no plano teórico, claro; não sou tão inocente.
Foram 37 (um não revelado) os livros editados em Portugal no
ano de 2011 que passaram sob o meu crivo de bibliómano: 2 foram classificados
como “obra-prima” (6 estrelas); 12 com “Muito Bom” (5 estrelas); 14 com “Bom”
(4 estrelas); 5 com “A Ler” (3 estrelas); 2 com “Medíocre” (2 estrelas), e mais
1 classificado como “Mau” (1 estrela).
As listas
Os 10 Melhores Livros de 2010 – Ficção
1.º – Julian Barnes, O Sentido do Fim (ed. port. Quetzal;
The Sense of an Ending, 2011);
2.º – David Vann, A Ilha de Sukkwan (ed. port. Ahab; Sukkwan
Island, 2008);
3.º – Michel Houellebecq, O mapa e o território (ed. port. Alfaguara;
La Carte et le
Territoire, 2010)
4.º – John Banville, Os Infinitos (ed. port. Asa; The
Infinities, 2009);
5.º – Don DeLillo, Ponto Ómega (ed. port. Sextante; Point Omega, 2010);
6.º – Colm Tóibín, Mães e Filhos (ed. port. Bertrand;
Mothers and Sons, 2006);
7.º – Philip Roth, Némesis (ed. port. Dom Quixote; Nemesis, 2010);
8.º – Gonçalo M. Tavares, Short Movies (Caminho);
9.º – Don DeLillo, Americana (ed. port. Relógio D’Água; 1971);
10.º – Leonardo Padura, O Homem que Gostava de Cães (ed.
port. Porto Editora; El hombre que amaba a los perros, 2009).
Menções Honrosas (livros que poderiam ocupar, por troca ou
em simultâneo, os dois últimos lugares do Top 10, ordenados pelo nome próprio
do autor)
- Howard Jacobson, A Questão Finkler (ed. port. Porto Editora; The Finkler Question, 2010);
- Jonathan Franzen, Liberdade (ed. port. Dom Quixote; Freedom, 2010).
Os 3 Melhores Livros de 2011 – Não-Ficção (este ano reduzida
a 3 títulos)
1.º – Joseph O’Neill, Rasto Negro de Sangue – Uma História
de Família (ed. port. Bertrand; Blood-Dark Track: A Family History, 2001);
2.º – Patti Smith, Apenas Miúdos (ed. port. Quetzal; Just
Kids, 2010);
3.º – Saul Bellow, Jerusalém, Ida e Volta – Um Relato
Pessoal (ed. port. Tinta-da-China; To Jerusalem and Back: A Personal Account, 1976).
Memória (os meus melhores desde 2005)
2005 – Kazuo Ishiguro, Nunca Me Deixeis (ed. port. Gradiva;
Never Let Me Go, 2005)
2006 – Vladimir Nabokov, Convite para uma decapitação (ed.
port. Assírio & Alvim; Priglasheniye na kazn, 1936)
2007 – (2 obras em igualdade) Colm Tóibín, O Mestre (ed.
port. Dom Quixote; The Master, 2004) & Jonathan Littell, As Benevolentes
(ed. port. Dom Quixote; Les Bienveillantes, 2006)
2008 – Robert Musil, O homem sem qualidades, volumes I e II
(ed. port. Dom Quixote; Der Mann ohne Eigenschaften, 1930-1942)
2009 – John Updike, Coelho em Paz (ed. port. Civilização;
Rabbit at Rest, 1990)
2010 – Saul Bellow, As Aventuras de Augie March (ed. port.
Quetzal; The Adventures of Augie March, 1953).
Finalmente, um breve excerto do melhor, para além do que aqui já foi dito em tempo oportuno e que se reflecte também nesta citação arrancada a um todo
deslumbrante (no texto abaixo optou-se por uma transcrição ipsis verbis, seguindo-se, por isso, a opção da editora pela regras do abstruso e
Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa; para além da incompreensível troca de artigos, o indefinido pelo definido, na tradução do título da obra para a nossa língua):
«Que sabia eu da vida, eu que vivera com tanto cuidado? Que não ganhara nem perdera, mas só deixara que a vida me acontecesse? Que tinha as ambições comuns e me adaptara demasiado cedo a que elas não se realizassem? Que evitava ferir-me e chamava a isso capacidade de sobrevivência? Que pagava as minhas contas, estava de bem com toda a gente na medida do possível, mas para quem o êxtase e o desespero depressa se tornaram meras palavras, lidas outrora nos romances? Eu, cuja autocensura nunca infligia realmente dor? Pois, havia tudo isto para refletir, enquanto eu passava por um tipo de remorso especial: uma dor finalmente infligida a alguém que sempre pensou saber como evitar ser magoado – infligida por essa mesma razão.»
Julian Barnes, O Sentido do Fim, p. 144 [Lisboa: Quetzal, Novembro de 2011, 152 pp.; tradução de Helena Cardoso; obra original: The Sense of an Ending, 2011]