E a cada ano que passa há sempre pelo menos uma fantasia fúchsia,
glamorosa púrpura garrida, deste calibre. Um filme inenarrável que uma pesada turba
(de dedo sensível) incensa e a indústria segue – até Cannes se rendeu ao fogo-de-artifício
danês, que se assemelha (e muito) à penosa e descoroçoante rendição da imprensa estrangeira acreditada em Hollywood, quando, em Dezembro do ano passado, num
impulso arrebatador desferiu um golpe na 7.ª arte ao benzer, com três nomeações,
o refugo fílmico O Turista (The Tourist, 2010) do promissor realizador
germânico Florian Henckel von Donnersmarck.
Muito virtuosismo arraialesco dedicado pelo realizador
dinamarquês ao produto final: com um argumento abaixo de sofrível; uma
interpretação mil vezes repetida por Gosling (o pseudo-estóico, o passivo-insensível
que chama a si todos os males para salvar o mundo, quase uma figura hierática,
mono-expressiva e uma mescla de canastrão-redentor, condenado ao papel do novo
messias); uma Carey Muligan desgraçadinha e lacrimejante para quem já não há
pachorra. Então o restante elenco… é de uma boçalidade e histrionia gritantes, tendo
como epítomes Albert Brooks e Ron Perlman – Penitenziagite!
Drive – Risco Duplo (Drive, 2011) não é do pior que se fez
no ano, mas seguramente é um dos filmes visualmente mais desonestos da
temporada, e aí ter-se-á de tirar o chapéu a Refn, tal é o engodo que oculta a
massa consistente com flashes de tuning, bem ao jeito dos amantes do oleoso
Overhaulin’ e do mentor Chip Foose, que escapa ao mais incauto “estrelador”
precoce.
Termino, manifestando a minha concordância completa com a avaliação do Luís Miguel Oliveira. Este péssimo produto nas mãos de um Mann talvez valesse para o
gasto do bilhete e a reparação dos danos estéticos. E digo mais, até um Bryan
Singer provavelmente o faria melhor. E é pena porque o realizador (agora com 41
anos), Nicolas Winding Refn, até teve um começo auspicioso no circuito
internacional com o subavaliado Fear X de 2003, cujo excelente argumento foi
compartilhado com o excêntrico e corrosivo Hubert Selby Jr., pouco tempo antes
de morrer. Porém, (o auspicioso é pessoal e em nada irónico) Refn tinha apenas
32 anos e o filme valeu-lhe o dissabor da falência – porventura foi daí que
veio a grande mossa que o conduziu pela sinuosidade festivaleira das piores
colinas de Hollywood. É meter-lhe um chip de potência.