Por muito lixo traduzido que continue a proliferar pelos escaparates das livrarias portuguesas, é inegável, sem necessidade de recorrer a métodos econométricos para confirmar a hipótese, que o mercado editorial português tem melhorado significativamente no que se refere à publicação de títulos de autores estrangeiros há muito consagrados na literatura universal. Não associo, contudo, este fenómeno de melhoria à concentração de inúmeras editoras em grandes grupos económicos – aliás, seguir por esse caminho, como justificativa, poderia redundar na mais acerba das minhas críticas em forma de texto, apresentando alguns exemplos de casas editoriais, outrora respeitadas, que de momento pouco produzem e que, ao invés de expandir a sua carteira de obras literárias, têm deixado cair ao nível extremo da indigência os direitos de publicação que possuem dos seus mais eminentes autores e limitam-se a republicar, com um restyling, as obras que já, por vezes há décadas, dispunham no seus stocks livreiros.
Por diversas vezes salientei aqui o fantástico trabalho da neófita Ahab, do trabalho da Quetzal em trazer as obras de ficção nunca antes publicadas no nosso país de figuras de topo da literatura mundial, do exercício da liberdade editorial como política de excelência da Antígona, mas há mais. Já temos neste país imediatista, e citando apenas alguns nomes que agora vêem a luz do dia em português de Portugal: Bukowski, Pynchon, Fante, Gaddis, Denis Johnson ou Cheever. Foram editadas algumas (ainda não todas) das obras mais marcantes de Hamsun, DeLillo, Bellow ou Updike. Faltam muitos outros, mas porventura não convém ralhar nesta casa de pobre (talvez não consiga evitar) – as migalhas já são substanciais, estão, por isso, em vias de mudar de denotação.
O pouco do muito que falta – «não está traduzido em português. Este artigo é uma ternurenta forma de pressão (de que estão à espera, miseráveis?)», Rui Catalão na Ípsilon referindo-se à não edição em Portugal do glorificado segundo e último romance (completo) escrito pelo tristemente desaparecido David Foster Wallace – já poderá ser objecto de comemoração, mas sem excessos para que não prolifere a tradução asinina, traidora e mesmo até assassina da arte literária, potenciados pela pressa da corrida ao escaparate. E não é só DFW, autores como Norman Rush, Malamud, Vollmann, Matthiessen ou Barthelme continuam sem ver a luz do dia na literata Lusitânia, e o que dizer então de Henry James, Thomas Hardy, de Willa Cather ou de George Eliot?
Bom, mas uma excelente notícia surgiu esta semana, materializada no livro publicado pela Ulisseia que é representado pela imagem que adorna este texto. Mais um magnífico pequeno passo que vai engrandecendo aos poucos a nossa parca bibliografia em português de obras consagradas de autores estrangeiros – com a tradução a cargo de um bukowskiano indefectível que muito aprecio e que atesta a qualidade do trabalho realizado: Manuel A. Domingos.