segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Houellebecq, finalmente

Michel Houellebecq (n. 1956)
Pelo seu romance La Carte et le territoire, num resultado de 7 votos contra 2 [Cinco à maior? Parece-me familiar…] Eis um excerto do romance galardoado, antes que me dê vontade de aqui expor e destapar a verve asinina (e até criminosa, pelas calúnia, difamação e infâmia) daqueles cuja inquestionável meia dezena no bucho não consegue fazer calar (carregar aqui para mais informações sobre a atribuição do prémio):
«Jeff Koons tinha acabado de se levantar do seu assento, os braços projectados para diante num impulso de entusiasmo. Sentado à sua frente numa otomana de couro branco parcialmente coberta de sedas, de certa forma absorto nos seus próprios pensamentos, Damien Hirst parecia encontrar-se prestes a proferir uma objecção – a sua cara estava corada, soturna. Ambos vestiam um fato preto – o de Koons, de riscas finas –, uma camisa branca e uma gravata preta. Entre os dois, na mesa de centro, permanecia um cestinho de frutas cristalizadas que nem um, nem outro, prestou qualquer atenção – Hirst bebia uma Budweiser Light.
»Atrás deles, uma pequena varanda envidraçada abria-se para uma paisagem de prédios altos que formavam uma desordem babilónica de polígonos gigantescos até aos confins do horizonte. A noite estava luminosa, o ar de uma limpidez absoluta. Podiam encontra-se no Catar ou no Dubai. Na realidade, a decoração do quarto tinha-se inspirado numa fotografia publicitária, retirada de uma publicação de luxo alemã, do hotel Emirates em Abu Dhabi.
»A testa de Jeff Koons estava ligeiramente brilhante. Com o pincel, Jed esbateu-a e recuou três passos. Decididamente, havia um problema com Koons. Hirst, no fundo, foi fácil de captar: podemos fazê-lo brutal, cínico, do tipo “eu cago sobre todos vós do alto da minha riqueza”; também se poderia fazer dele um artista revoltado (mesmo continuando rico) porfiando num trabalho angustiante sobre a morte. O seu rosto possuía algo de sanguíneo e grosseiro, tipicamente inglês, que o aproximava de um membro da claque do Arsenal. Em suma, existiam diferentes aspectos, mas que poderiam ser combinados num retrato coerente, representável, de um artista britânico típico da sua geração. Enquanto Koons parecia transmitir qualquer coisa de ambíguo, como uma combinação intransponível entre a manha ordinária de um vendedor e o entusiasmo de um asceta. Com aquela já fazia três semanas que Jed retocava a expressão de Koons a levantar-se do seu assento de braços projectados para diante num impulso de entusiasmo, como se tentasse persuadir Hirst – foi tão difícil como pintar um pornógrafo mórmon.»
Michel Houellebecq, La Carte et le territoire [parágrafos de abertura; tradução livre: AMC, 2010]
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