Este é o título que a revista Máxima, acérrima promotora e apregoadora da liberdade de expressão perante o dealbar do infeliz episódio que opôs Marcelo Rebelo de Sousa a Rui Gomes da Silva e à TVI, resolveu apor à crónica de Frederico Lourenço, cujo título original, escolhido pelo próprio autor, era “O seu marido é gay?»
Lourenço, convidado pela revista feminina para escrever uma breve crónica sobre a temática dos heterossexuais casados com vida dupla, apenas teve conhecimento da mudança de título quando a revista foi publicada. Liberdade de expressão, esse conceito tão relativo…
Como já nos vem habituando, Frederico Lourenço (n. 1963) publicou mais um livro – a média rondará, certamente, os dois por ano –, desta feita um livro de crónicas – o terceiro depois de Amar não acaba (2004) e A máquina do arcanjo (2006) – previamente publicadas em jornais e outros periódicos, embora contenha alguns textos inéditos de natureza ensaística, como os define o próprio autor.
Do prefácio, Lourenço responde aos críticos com o reconhecimento da «pose propositadamente estudada de pedante» que apõe aos seus textos e que a declara como uma «traquinice» à laia de autocrítica, ou de um mero exercício da ironia de pendor vicentino sobre o meio em que se insere.
Provavelmente, Lourenço ensaia uma resposta à afirmação de Armando Silva Carvalho inserida em O Livro do Meio, em co-autoria com Maria Velho da Costa, de que «há uns dias» havia folheado «um livrinho cínico e galante, de um menino bem, um pretty boy, a falar da sua adolescência, vivida nos braços das artes e nos deleites do antes, durante e pós-coital» (pág. 306, ASC e MVC, op. cit.)
A despeito das explicações apoiadas no (meritório) exercício literário da ironia, recurso estilístico que se vislumbra com alguma facilidade em A Máquina do Arcanjo, Frederico Lourenço é pedante, não sendo, todavia, uma característica que diminua a validade do seu trabalho artístico, nem tão-pouco uma espécie de sobranceria que resulta, de alguma forma, de um sentimento de despeito perante o trabalho dos que lhe são contemporâneos nas letras lusas. Atrevo-me até a adjectivá-lo de “pavão”, na forma como essa ave, de plumagem esplendorosa, serviu de conceito a Bertrand Russell quando este explicou que, em termos metafóricos, a felicidade imanente do pavão, ou do seu sucesso na sociedade dos pavões, advém do inebriamento narcísico que a sua própria cauda, feérica, lhe provoca, jamais invejando a dos seus vizinhos e desprovendo a comunidade de uma das grandes causas da infelicidade: a inveja. Creio, de forma quase convicta e se errar não será por muito, que Lourenço não partilha desse tal indutor da miséria humana, até devido ao seu inexcedível grau de erudição.
Eu sou um leitor assíduo das obras originais do autor lisboeta...
Da colecção de crónicas e ensaios, Valsas nobres e sentimentais – título inspirado no trabalho, inicialmente para piano, Valses nobles et sentimentales, de 1911, do compositor francês Maurice Ravel em jeito de tributo à obra incompreendida de Schubert (D. 774 e D. 969) – ressaltam, pela qualidade possível no exercício de escrita de uma crónica, algumas das mais intimistas, como "Norte" (pp. 28-34), "Luz cor de amora" (pp. 47-50) e "Pôr-me a nu" (pp. 150-153), e as inéditas Sete crónicas eruditas sobre Elisabeth Schwarzkopf (pp. 155-201). A segunda retrata um delicioso episódio, ocorrido nos anos 80 do século XX, entre Lourenço e Sophia; e a terceira relata a reacção de colegas e amigos à assunção desabrida da homossexualidade pelo autor a partir de 2002 mediante a publicação das suas obras, chamando a atenção para o seu profundo receio de discriminação negativa que, a partir desse momento, o da revelação, poderia ocorrer no meio académico em que o autor se insere. Para sua imensa admiração, Lourenço descreve o clima de tolerância vivenciada no período pós-confidência propiciado pelos seus pares, mesmo por aqueles que, pela idade, estatuto e respeitabilidade académica, o autor reputara de heterossexuais empedernidos.
No meu modesto entender, ao contrário do professado pelo autor, a homofobia também se manifesta, e com alguma acuidade, nos casos de discriminação positiva. Ela, a homofobia, enquanto doença reveladora de um subdesenvolvimento mental primário, só será erradicada quando num determinado momento, numa determinada sociedade, esse comportamento deixar de ser entendido como desvio ao cânone civilizacional, tanto de forma maligna como de forma benigna, ou se se preferir, tolerante, porque, e perdoem-me a asserção assaz tautológica, só se tolera o que à partida se pode constituir como intolerável.
Apesar de o livro Valsas nobres e sentimentais induzir à interiorização da ideia de uma leitura globalmente satisfatória, há, no entanto, crónicas (ou ensaios) potencialmente geradoras de enfado, principalmente aquelas que se dedicam à evocação de Sophia e da sua raiz homérica, mais consentâneas com uma prelecção de Teoria da Literatura, desfasada, portanto, do público-alvo numa publicação deste tipo.
Classificação: *** (A Ler)
Referência bibliográfica:
Frederico Lourenço, Valsas nobres e sentimentais. Lisboa: Cotovia, 1.ª edição, Fevereiro de 2007, 207 pp.
Lourenço, convidado pela revista feminina para escrever uma breve crónica sobre a temática dos heterossexuais casados com vida dupla, apenas teve conhecimento da mudança de título quando a revista foi publicada. Liberdade de expressão, esse conceito tão relativo…
Como já nos vem habituando, Frederico Lourenço (n. 1963) publicou mais um livro – a média rondará, certamente, os dois por ano –, desta feita um livro de crónicas – o terceiro depois de Amar não acaba (2004) e A máquina do arcanjo (2006) – previamente publicadas em jornais e outros periódicos, embora contenha alguns textos inéditos de natureza ensaística, como os define o próprio autor.
Do prefácio, Lourenço responde aos críticos com o reconhecimento da «pose propositadamente estudada de pedante» que apõe aos seus textos e que a declara como uma «traquinice» à laia de autocrítica, ou de um mero exercício da ironia de pendor vicentino sobre o meio em que se insere.
Provavelmente, Lourenço ensaia uma resposta à afirmação de Armando Silva Carvalho inserida em O Livro do Meio, em co-autoria com Maria Velho da Costa, de que «há uns dias» havia folheado «um livrinho cínico e galante, de um menino bem, um pretty boy, a falar da sua adolescência, vivida nos braços das artes e nos deleites do antes, durante e pós-coital» (pág. 306, ASC e MVC, op. cit.)
A despeito das explicações apoiadas no (meritório) exercício literário da ironia, recurso estilístico que se vislumbra com alguma facilidade em A Máquina do Arcanjo, Frederico Lourenço é pedante, não sendo, todavia, uma característica que diminua a validade do seu trabalho artístico, nem tão-pouco uma espécie de sobranceria que resulta, de alguma forma, de um sentimento de despeito perante o trabalho dos que lhe são contemporâneos nas letras lusas. Atrevo-me até a adjectivá-lo de “pavão”, na forma como essa ave, de plumagem esplendorosa, serviu de conceito a Bertrand Russell quando este explicou que, em termos metafóricos, a felicidade imanente do pavão, ou do seu sucesso na sociedade dos pavões, advém do inebriamento narcísico que a sua própria cauda, feérica, lhe provoca, jamais invejando a dos seus vizinhos e desprovendo a comunidade de uma das grandes causas da infelicidade: a inveja. Creio, de forma quase convicta e se errar não será por muito, que Lourenço não partilha desse tal indutor da miséria humana, até devido ao seu inexcedível grau de erudição.
Eu sou um leitor assíduo das obras originais do autor lisboeta...
Da colecção de crónicas e ensaios, Valsas nobres e sentimentais – título inspirado no trabalho, inicialmente para piano, Valses nobles et sentimentales, de 1911, do compositor francês Maurice Ravel em jeito de tributo à obra incompreendida de Schubert (D. 774 e D. 969) – ressaltam, pela qualidade possível no exercício de escrita de uma crónica, algumas das mais intimistas, como "Norte" (pp. 28-34), "Luz cor de amora" (pp. 47-50) e "Pôr-me a nu" (pp. 150-153), e as inéditas Sete crónicas eruditas sobre Elisabeth Schwarzkopf (pp. 155-201). A segunda retrata um delicioso episódio, ocorrido nos anos 80 do século XX, entre Lourenço e Sophia; e a terceira relata a reacção de colegas e amigos à assunção desabrida da homossexualidade pelo autor a partir de 2002 mediante a publicação das suas obras, chamando a atenção para o seu profundo receio de discriminação negativa que, a partir desse momento, o da revelação, poderia ocorrer no meio académico em que o autor se insere. Para sua imensa admiração, Lourenço descreve o clima de tolerância vivenciada no período pós-confidência propiciado pelos seus pares, mesmo por aqueles que, pela idade, estatuto e respeitabilidade académica, o autor reputara de heterossexuais empedernidos.
No meu modesto entender, ao contrário do professado pelo autor, a homofobia também se manifesta, e com alguma acuidade, nos casos de discriminação positiva. Ela, a homofobia, enquanto doença reveladora de um subdesenvolvimento mental primário, só será erradicada quando num determinado momento, numa determinada sociedade, esse comportamento deixar de ser entendido como desvio ao cânone civilizacional, tanto de forma maligna como de forma benigna, ou se se preferir, tolerante, porque, e perdoem-me a asserção assaz tautológica, só se tolera o que à partida se pode constituir como intolerável.
Apesar de o livro Valsas nobres e sentimentais induzir à interiorização da ideia de uma leitura globalmente satisfatória, há, no entanto, crónicas (ou ensaios) potencialmente geradoras de enfado, principalmente aquelas que se dedicam à evocação de Sophia e da sua raiz homérica, mais consentâneas com uma prelecção de Teoria da Literatura, desfasada, portanto, do público-alvo numa publicação deste tipo.
Classificação: *** (A Ler)
Referência bibliográfica:
Frederico Lourenço, Valsas nobres e sentimentais. Lisboa: Cotovia, 1.ª edição, Fevereiro de 2007, 207 pp.
2 comentários:
comentários como os que citou do livro do meio contribuiram para que o tivesse deixado a meio - a esse eu chamaria um livro pedante (não sei os autores o são). pelo contrário, amar não acaba fica longe do pedantismo, qualqer que seja a pose do seu autor.
descobri FL na TV, numa entrevista de Ana Sousa Dias e fiquei com vontade de o ler, de pois de o ouvir falar. embora saiba que esse é às vezes um caminho arriscado, fui-me a ele e gostei. hei-de passar por essas crónicas e gostava também de ler esse texto da Máxima.
pelo contrário, depois do livro do meio (que deixei assim mesmo, a meio), nunca mais me apetece sequer pensar em MVC e ASC.
Mónica,
Eu gosto do FL. O facto de ser pedante não lhe retira o mérito. Pelo menos é dos raros pedantes com justa causa.
Tenho pena de nunca o ter visto ou ouvido na televisão ou na rádio.
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