quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Literatura: Os Melhores Livros de 2010

Das listas de final do ano em que manifesto as minhas preferências sobre os produtos artísticos em três das suas áreas, esta, a dos melhores livros, é a que menos surpresas contém. O leitor e meio que está atento ao meu blogue desde a sua fundação a 17 de Dezembro de 2005 (chamava-se, então, Porque), sabe que na sua coluna do lado direito figurou sempre uma listagem de actualização permanente de livros editados em Portugal no ano correspondente, por mim lidos e classificados de acordo com cinco categorias (mais uma, a título excepcional, a “obra-prima”) de apreciação literária, desde o “Muito Bom” (5 estrelas) ao “Mau” (1 estrela). A única novidade a apresentar está na segunda hierarquização que estabeleço no final do ano entre os livros que mais gostei, normalmente aqueles que foram por mim classificados com 5 ou 6 estrelas, que se materializa na publicação de duas listas ordinais: (1) a dos 10 melhores livros de ficção e (2) a dos 5 melhores livros de não-ficção (ensaio, crónicas, memórias, biografia, científicos, etc.).
Ao contrário de qualquer lista publicada nos órgãos de informação convencionais por um, de forma isolada, ou mais críticos, por qualquer espécie de votação, o único critério que preside à escolha dos livros editados durante o ano em que os irei ler e posteriormente atribuir-lhes uma classificação (com publicação imediata no blogue) é apenas o meu gosto pessoal por determinados autores, por determinada escola literária ou por certo tipo de narrativas, embora a escolha possa haver resultado da indicação de alguém, seja um crítico literário ou um mero leitor, que me recomendou a sua leitura e, como é óbvio, desde que eu lhe confira algum tipo de autoridade na matéria – há críticos e críticos, e há leitores mais conformes às minhas preferências estético-literárias, mesmo que não os suporte. Assim, este tipo de listagem sofre, à partida, de um vício de forma, e que leva a que a maioria dos livros classificados se situe nos graus mais altos de apreciação literária: uma escolha apriorística e condicional, sem a isenção que outros terão de apor no processo de selecção da obra a analisar, condição necessária a um crítico – no plano teórico, claro; não sou tão inocente.
Foram 41 os livros editados em Portugal no ano de 2010 que passaram sob o meu crivo de bibliómano: 3 foram classificados como “obra-prima” (6 estrelas); 14 com “Muito Bom” (5 estrelas); 12 com “Bom” (4 estrelas); 8 com “A Ler” (3 estrelas); 2 com “Medíocre” (2 estrelas), e mais 2 classificados como “Mau” (1 estrela).
As listas

Os 10 Melhores Livros de 2010 – Ficção
1.º – Saul Bellow, As Aventuras de Augie March (ed. port. Quetzal; The Adventures of Augie March, 1953)
2.º – Don DeLillo, Submundo (ed. port. Sextante; Underworld, 1997)
3.º – Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética (Caminho)
4.º – Thomas Pynchon, Vício Intrínseco (ed. port. Bertrand; Inherent Vice, 2009)
5.º – valter hugo mãe, a máquina de fazer espanhóis (Alfaguara)
6.º – Lydia Davis, Break It Down – Demolição (ed. port. Ulisseia; Break It Down, 1986)
7.º – William Gaddis, Agapé, Agonia (ed. port. Ahab; Agapé Agape, 2002)
8.º – Ian McEwan, Solar (ed. port. Gradiva; 2010)
9.º – John Cheever, Crónica de Wapshot (ed. port. Relógio D’Água; The Wapshot Chronicle, 1957)
10.º – Norman Manea, O Regresso do Hooligan (ed. port. Asa; Întoarcerea huliganului, 2003)

Menções Honrosas (livros que poderiam ocupar, por troca ou em simultâneo, os quatro últimos lugares do Top 10, ordenados pelo nome próprio do autor)
  • Charles Bukowski, Ham on Rye – Pão com Fiambre (ed. port. Ulisseia; Ham on Rye, 1982)
  • John Updike, As Lágrimas do Meu Pai (ed. port. Civilização; My Father’s Tears and Other Stories, 2009)
  • Martin Amis, A Viúva Grávida (ed. port. Quetzal; The Pregnant Widow, 2010)
  • Sherwood Anderson; Winesburg, Ohio (ed. port. Ahab; 1919)

Os 5 Melhores Livros de 2010 – Não-Ficção
1.º – George Steiner, George Steiner em The New Yorker (edição de Robert Boyers) (ed. port. Gradiva; George Steiner at The New Yorker, 2008)
2.º – George Orwell, Livros & Cigarros (ed. port. Antígona, antologia da editora portuguesa; ensaios publicados entre 1936 e 1952)
3.º – Peter Sloterdijk, Cólera e Tempo (ed. port. Relógio D’Água; Zorn und Zeit. Politisch-psychologischer Versuch, 2006)
4.º – John Newsinger, George Orwell – Uma Biografia Política (ed. port. Antígona; Orwell’s Politics, 1999)
5.º – Andrew Sullivan, A Alma Conservadora (ed. port. Quetzal; The Conservative Soul, 2006)

Memória (os meus melhores desde 2005)
2005 – Kazuo Ishiguro, Nunca Me Deixeis (ed. port. Gradiva; Never Let Me Go, 2005)
2006 – Vladimir Nabokov, Convite para uma decapitação (ed. port. Assírio & Alvim; Priglasheniye na kazn, 1936)
2007 – (2 obras em igualdade) Colm Tóibín, O Mestre (ed. port. Dom Quixote; The Master, 2004) & Jonathan Littell, As Benevolentes (ed. port. Dom Quixote; Les Bienveillantes, 2006)
2008 – Robert Musil, O homem sem qualidades, volumes I e II (ed. port. Dom Quixote; Der Mann ohne Eigenschaften, 1930-1942)
2009 – John Updike, Coelho em Paz (ed. port. Civilização; Rabbit at Rest, 1990)

Por fim, uma verdadeira pérola, num mar literário pejado delas (um belo retrato – a Humanidade e a versão do real):

«Não é correcto pensar que todas as outras pessoas têm mais força de carácter que nós. Ora, é óbvio que isso não é verdade, é apenas a nossa imaginação a exagerar a visão que as pessoas têm de nós, interpretando erradamente que gostam de nós pelo que não somos, ou que não gostam de nós pelo que não somos, tanto por equívoco como por preguiça. A saída deve ser não nos importarmos, mas, para isso, temos de saber com o que nos devemos realmente importar e entender o que agrada ou não agrada em nós. Mas pensamos que cada nova pessoa que chega está preocupada com isso e atenta a isso? Não. E importamo-nos que cada uma delas se importe por sua vez? Nem pensar. Porque, de qualquer modo, não há uma única pessoa no mundo que consiga mostrar o que é sem se sentir um pouco exposta e envergonhada e, estando preocupada com isso, não pode importar-se, mas tem de tentar parecer melhor e mais forte do que as outras pessoas todas – que loucura! Entretanto, não sente nenhuma força de verdade em si, engana e é enganada, depende da burla, mas acredita anormalmente na força dos fortes. Durante este tempo todo, ninguém deixa que nada de genuíno apareça, nem sabe o que é real e o que não é. E estes são os desfigurados, degenerados e sombrios seres humanos – a simples Humanidade.» [E continua no parágrafo seguinte.]
Saul Bellow, As Aventuras de Augie March, p. 534 [Lisboa: Quetzal, Setembro de 2010, 709 pp; tradução de Salvato Telles de Menezes; obra original: The Adventures of Augie March, 1953.]