domingo, 10 de outubro de 2010

O Homem a Abater

Prometi a mim mesmo que dificilmente falaria aqui neste “novo” espaço – novo de Abril de 2008, pós Porque e In Absentia (textos integrados neste) – de futebol, por tudo o que isso implica: a irracionalidade de uma paixão desenfreada que embota os sentidos e hostiliza os amigos; que induz o homem mais pacífico a assumir, por palavras e actos, posições e comportamentos ignóbeis, mesquinhos, perversos e até criminosos; em suma, uma mescla de Mary Shelley e Anne Rice a criar monstros trogloditas, vampíricos, todos os dias. E não exagero. Atentem nos meios de comunicação social e nos blogues ditos de referência. É o vale tudo na arena sanguinária da opinião na imprensa engajada com as centrais de comunicação e com a inexpugnável clubite de jornalistas que, num país sério, há muito deveriam ter perdido a sua carteira profissional; é a selvajaria nos blogues, mesmo naqueles que se afirmaram pelo debate de ideias e sobre outros assuntos, nunca se dedicando em exclusivo ao fenómeno desportivo, cujos textos clubistas transformam, do dia para a noite, os outrora admiráveis livres-pensadores em facínoras de palavra acutilante em riste, pronta a decepar os mais incautos e de pensamento livre.
Nas vésperas do centenário da Implantação da República em Portugal, André Villas-Boas – a 13 dias de completar 33 anos – passou a ser mais um dos alvos em movimento. Os jornalistas arregimentados, os opinadores pagos à peça, os bloggers facciosos, os paineleiros da insídia e da inveja, não tardaram a sair do armário com todo a sua fúria, contida ao longo de seis longas jornadas futebolísticas e de onze jogos de invencibilidade. O veneno, esse, ia-se-lhes acumulando lenta e perigosamente nas glândulas pestilentas e a oportunidade surgiu com o justo desvario do rapaz na noite de 4 de Outubro – desatinos, sem consequências, que os treinadores e os directores desportivos das agremiações protegidas neste mundo desigual descerram, terminadas as inúmeras partidas, no centro do relvado acompanhando os árbitros, decerto com elogios e panegíricos entusiastas, até à boca do túnel. E a destilação do ódio não acalmou mesmo tendo o jovem treinador vindo a terreiro desculpar-se pela injustiça das suas críticas relativamente ao lance que o atirou de antecipação para os balneários pela primeira vez na sua curtíssima carreira – apesar do golo irregular do oponente, dos fora-de-jogo mal assinalados, da violência quase criminosa dos jogadores oponentes (ah, e aquele imberbe facínora, ao arrepio da prática comum aos seus companheiros de profissão em equipas adversárias noutros jogos, não falou da eventual grande penalidade cometida na grande área portista).
Porém, o xistrema já estava montado, com toda a sua carga, folclore e ressentimento provinciano, balofo, saloio (ou como o quiserem qualificar), e a retirada perante o mea culpa do jovem inimigo seria mais dispendiosa que continuar a alimentar a fogueira do rancor, da caricatura soez e do incitamento à violência. A pesada máquina estava em estado de prontidão e iniciou-se a rentabilização do investimento inicial que só alcançará, pelo menos, um valor actual líquido (npv para os anglófilos das finanças empresariais) de zero em Maio de 2011, se o verde-lagarto ou o vermelho-lampião-ofuscado circular de bandeiras desfraldadas, com uma turba a cuspinhar impropérios perante as sedentas câmaras de televisão da capital do império.
Mas há coisas que os supra-referidos não conseguem controlar, como o fazem nos Ministérios da Justiça e da Administração Interna, com o PGR e os procuradores-adjuntos, com a imprensa, com as marionetas adestradas dos horrorosos e estupidificantes programas de debate futebolístico nas televisões e numa estação de rádio pública, no Elefante Branco e casas congéneres, com os órgãos da Liga e da FPF (então com o futuro presidente Seara…):
Parabéns, homónimo.