sábado, 9 de outubro de 2010

Há um manicómio a alguns quarteirões

A história conta-se em duas penadas, e vem aqui descrita com mais uns quantos pormenores que me dispenso a descrever: Katherina Wagner, bisneta do compositor Richard Wagner (1813-1883), actualmente co-directora do há muito centenário Festival de Bayreuth no estado alemão da Baviera – aquela é a cidade onde, desde 1874, são interpretadas obras do compositor de Leipzig – convidou a Israel Chamber Orchestra para a abrir a edição do próximo festival. Como é óbvio seguiu-se o habitual arraial de recriminações, indignações insensatas e impropérios por parte de alguns sectores da comunidade judaica.
O Passado Não Perdoa (The Unforgiven) é o título em português de um famoso western realizado por John Huston em 1960, que acorre à minha memória sempre que, nos buliçosos dias de hoje, sou confrontando com situações com este matiz: de ódio e de intolerância, adquiridos como se tratasse de um direito ao rancor perpétuo. Vítimas de um passado bárbaro, atroz e inumano que, ao invés de empreenderem um processo de cura que permita a cicatrização das suas feridas profundas através da assunção de que o horror teve data marcada e há muito foi ultrapassado, prevenindo, em simultâneo, que jamais regresse o tempo da barbárie, optam pela vitimização que se eterniza, que não só macula as suas gerações vindouras através do ódio, meramente louco porque se encontram já puídos e difusos os fios da História, como instiga à transmissão de um saudosismo criminoso aos filhos e enteados dos verdugos de antanho.
Recordo-me bem. O filme marcou-me profundamente quando, na minha infância, o vi transmitido pela televisão pública em casa dos meus avós: consternou-me pelo forte sentimento de injustiça e pela percebida irreparabilidade do dano causado pelas crueldade e voracidade humanas – nunca mais o voltei a ver, embora subsista na minha memória um dos maiores apelos à tolerância materializado em celulóide em toda a história do cinema, levado à tela pelas mãos do mestre Huston e do argumentista Ben Maddow (que também colaborou com Huston no icónico Quando a Cidade Dorme, The Asphalt Jungle, de 1950), baseado no romance homónimo de Alan Le May.
Mas neste caso em particular, o admirável, genial e impiedoso judeu norte-americano Larry David consegue, levando-nos às lágrimas pelo riso, transmitir todo o tipo de mensagens que, por vontade própria, ainda estigmatizam a comunidade judaica. Veja-se, por exemplo e bem a propósito deste infeliz incidente na vida real, este excerto do 3.º episódio, “Trick or Treat”, da 2.ª temporada (2001) de Curb Your Enthusiasm – a melhor série cómica de sempre, logo após o Flying Circus dos Monty Python, e imediatamente antes de Seinfeld –, onde o trautear da obra orquestral Siegfried-Idyll (1870) de Richard Wagner, leva Larry a recomendar o internamento no manicómio de um judeu intrépido que o interpela e que, logo a seguir descobre, é seu vizinho, não sem antes lhe haver sugerido que lhe examinasse o pénis para verificar se era ou não judeu:
 
É verdadeiramente descoroçoante verificar que, com episódios destes, os esforços de judeus moderados como Daniel Barenboim (citado neste caso), Amos Oz ou David Grossman, entre tantos outros, não produzem os frutos pretendidos: que se afaste de uma vez por todas o sofrimento que ainda assola as mentes de uma comunidade, sem que, porém, seja apagada a História de um genocídio para ensinamento futuro.