quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Literatura: Os Melhores Livros de 2009



Um balanço (Ano IV)
Mais um fim de ano e pela quarta vez consecutiva chegou a altura de, neste blogue, fazer um pequeno balanço sobre as minhas predilecções literárias baseando-me nos livros que tive a oportunidade de ler e que foram editados durante o ano que agora termina.
Foi assim que começou a minha actividade na blogosfera: uma espécie de partilha sobre as sensações, mais ou menos agradáveis, decorrentes da leitura de determinado livro. Na altura defini como critério – discutível, pois claro, como deveriam ser todos os outros que nos são impostos, fazendo apelo à minha veia libertária – escrever sobre livros publicados em Portugal durante o ano corrente. Poupava-me tempo e esforço, e era o suficiente para obter as minhas doses de escapismo de periodicidade curta: divagar e colocar no ciberespaço os meus devaneios sobre livros, literatura, autores e críticos. Porém, desde muito cedo, apercebi-me de que discorrer sobre os méritos e as fraquezas de um livro não era terreno fácil. Não falo, é evidente, das fortes condicionantes endógenas de natureza técnico-científica que fatalmente me poderiam afectar no campo da teoria da literatura. Sou, nunca o escondi, um homem das finanças empresariais, que divergiu, no campo estritamente académico, das letras no ensino complementar do secundário, numa altura em que a literatura era para mim o Eça dos Maias, o Garrett de As Viagens…, ou os Lusíadas – mortinhos por chegar ao canto IX. Falo, isso sim, sem atavios ou eufemismos, daqueles que procuram nos outros a base de todas as suas frustrações, ou porque querem escrever e não podem, ou porque escrevem e não conseguem. Aprendi que elaborar um texto sobre um livro era uma arma de arremesso aos hermeneutas da palavra escrita, aos recenseadores do regime, aos letrados que gostam dos numerus clausus no mister opinativo. Ou então, acusado sem defesa, um trampolim para o conforto, ou tentativa vã e ignara de me pôr em bicos de pés para arranjar uma mesada numa revista, jornal ou suplemento da especialidade – esses falavam de uma forma criptodiletante de Dante Gabriel Rossetti, de De Quincey, do Dr. Johnson ou até de Saussure como se fossem parceiros de uma jogatina do mais alto calibre literário, mas que na realidade desconheciam o que ia mais além dos chavões de circunstância. A vontade foi-se esfumando, diminuía a cada retorno. Até que acabou, por fim.
Regressando ao que aqui me trouxe e como mero exercício de recordação, eis os meus livros de ficção preferidos (regra 1 por ano) desde que iniciei a minha actividade na blogosfera:
  • 2005 – Kazuo Ishiguro, Nunca Me Deixeis, Gradiva (Never Let Me Go, 2005);
  • 2006 – Vladimir Nabokov, Convite para uma decapitação, Assírio & Alvim (Priglasheniye na kazn, 1936);
  • 2007 – (2 obras ex aequo) Colm Tóibín, O Mestre, Dom Quixote (The Master, 2004) + Jonathan Littell, As Benevolentes, Dom Quixote (Les Bienveillantes, 2006);
  • 2008 – Robert Musil, O homem sem qualidades, vols. I e II, Dom Quixote (Der Mann ohne Eigenschaften, 1930-1942).
Durante o corrente ano mencionei, entre romances, novelas, contos, ensaios, memórias, biografias ou relatos dialógicos, um total de 47 livros editados (ou reeditados) em Portugal em 2009 – excepto num caso, não houve qualquer texto que se aproximasse sequer de uma análise crítica. Assim, quando anteriormente do lado direito do blogue figurava uma listagem de livros devidamente classificados, com a respectiva hiperligação ao texto, hoje surge apenas uma listagem, hierarquizada, é verdade, mas despida de qualquer texto de suporte. Só me resta hierarquizar ainda mais aqueles que mais me disseram no exercício do meu prazer (não carnal) preferido: ler.
Com efeito, durante o ano de 2009 distribuí os 47 livros publicados nesse ano por 6 categorias (“5+1” como prefiro chamar, já que a classificação máxima é atribuída a título excepcional): 3 obras-primas (6 estrelas); 15 livros com “Muito Bom” (5 estrelas); 11 com “Bom” (4); 9 com a designação “A Ler” (3); 7 com “Medíocre” (2); e 2 com “Mau” (1).
Pela primeira vez farei a distinção entre as categorias de “Ficção” e de “Não-Ficção”.
Mas antes de prosseguir, deixo aqui ficar uma breve homenagem ao “colosso” como se lhe referiu há uns meses Philip Roth –, que partiu nos idos de Janeiro deste ano, com as próprias palavras desse “colosso” sem Nobel, e que definem toda a sua brilhante literatura de ficção (sem tradução por motivos de não profanação das palavras):

«I’ve led in some ways a sheltered life. I’ve not been wounded in Italy like Hemingway and I’ve never fought marlin at see. I’m a product of the nearly forty years of Cold War. So naturally I’ve written about domestic, rather peaceable matters, while trying always to elicit the violence and tension that does exist beneath the surface of even the most peaceful-seeming life. That is, I think I see human life as basically difficult and paradoxical. Just being a thinking animal puts us into a paradoxical and somewhat painful situation: we are a death-foreseeing animal and an animal of mental appetite; we have a Faustian side, always wanting more or something else.»
James Plath (editor), Conversations with John Updike. Jackson, MS: University Press of Mississippi, May, 1994, 308 pp. (citação: p. 192)

Dez Melhores Livros de Ficção de 2009 (por ordem de preferência):
  1. John Updike, Coelho em Paz , Civilização (Rabbit at Rest, 1990);
  2. Thomas Mann, A Montanha Mágica, Dom Quixote (Der Zauberberg, 1924);
  3. Cormac McCarthy, Suttree, Relógio D’Água (1979);
  4. Paul Auster, Invisível, Asa (Invisible, 2009);
  5. David Lodge, A Vida em Surdina, Asa (Deaf Sentence, 2008);
  6. Daphne du Maurier, O Outro Eu, Relógio D’Água (The Scapegoat, 1957);
  7. Ernesto Sabato, O Túnel, Relógio D’Água (El túnel, 1948);
  8. Sebastian Barry, Escritos Secretos, Bertrand (The Secret Scripture , 2008);
  9. John Fante, Pergunta ao Pó, Ahab (Ask the Dust, 1939);
  10. Atiq Rahimi, Pedra-de-Paciência, Teorema (Syngué sabour. Pierre de patience, 2008).
Menções Honrosas
  • Bernardo Carvalho, O Filho da Mãe, Cotovia (2009);
  • Kazuo Ishiguro, Nocturnos, Gradiva (Nocturnes, 2009).
Cinco Melhores Livros de Não-Ficção de 2009 (por ordem de preferência):
  1. Ian Kershaw, Hitler: Uma Biografia, Dom Quixote (Hitler, 2008);
  2. Umberto Eco & Jean-Claude Carrière, A Obsessão do Fogo, Difel (N’espérez pas vous débarrasser des livres, 2009);
  3. Thomas Bernhard, Os Meus Prémios, Quetzal (Meine Preise, 2009);
  4. Slavoj Zizek, Violência – Seis Notas à Margem, Relógio D’Água (Violence: Six Sideways Reflections, 2008);
  5. Jean Daniel, Com Camus – Como aprender a resistir, Temas e Debates (Avec Camus : Comment résister à l’air du temps, 2006).
Menção Honrosa
  • David Lodge, A Consciência e o Romance, Asa (Consciousness and the Novel, 2003).

Um bom ano de 2010.