terça-feira, 11 de novembro de 2008

Reducionismo

Na verdade, há quem não entenda, e contra esses apenas um curso intensivo sob o título generalíssimo de “Realidade Política do Século XXI”, com um rigoroso sistema de avaliação, poderia salvá-los dessa triste ignorância; porém há outros que querem, através da verve e da pretensa legitimidade deífica para discorrer sobre todo e qualquer assunto, transformar a vitória de Barack Obama como o triunfo das forças do bem, doutas, piedosas, solidárias e compassivas concentradas na impoluta esquerda universal frente a uma direita eminentemente retrógrada, torcionária, extremista, xenófoba, racista, homofóbica, cúpida, açambarcadora do poder, geradora de todos conflitos à escala do globo, criminosa, fundamentalista e acima de tudo, como se o que ficou para trás não bastasse, profundamente inimiga do povo, essa massa informe de iletrados, sebentos e de mau gosto.
Barack ganhou com o voto universal, representativo do mosaico político, económico, social, étnico, etário e de género de uma nação formada por 50 Estados diferentes entre si. Não entender isso, tentando arrebanhar a vitória para uma facção (mooriana, por exemplo) tão notoriamente espúria como a bushiana, é pura desonestidade intelectual.
Eis as palavras do “Pai da Pátria” hoje no Diário de Notícias:

«Até 20 de Janeiro, praticamente dois meses, incluindo o Natal, o Presidente em funções é ainda George W. Bush. Obama será obviamente informado, mas não vai comprometer-se com nada.
Foi convidado para essa estranha e inoportuna Conferência dos 20 – iniciativa de Sarkozy, amigo de Bush, para dar relevo à sua presidência europeia, que termina no fim de Dezembro – mas creio bem que Obama não vai cair na armadilha que lhe estendem.
Vai ouvir – o que poderá ser útil –, mas não falar ou, muito menos, comprometer-se. Espero...
»

Estas palavras são de Mário Soares, um homem cuja idade polarizou o combate político numa luta maniqueísta de petiz folgazão – eu sou dos bons e tu és dos maus, uma brincadeira de índios e cobóis. Os maus estarão na reunião do G-20 representados por esse facínora do Sarkozy – que segurou uma França em ebulição e tem dado provas de boa governança –, acólito de Bush?, e os bons serão decerto representados pelo Brasil, a Índia e a China, porventura apresentando como cabeça de cartaz os virtuosos governantes da “Mãe Rússia”, os arautos da paz mundial, como demonstram à saciedade os acontecimentos mais recentes de Kalinegrado, da Geórgia, dos aviões e dos submarinos nucleares às portas da Venezuela, onde uma estranha amizade com o pacifista Chávez – que prontamente declarou que os aviões russos sobrevoariam Cuba para cumprimentar Fidel – foi saudada por esses emissários da concórdia entre terráqueos ou, o mesmo será dizer, pelos combatentes do imperialismo americano, com um raro e inócuo entusiasmo, que inclui alguns que ostentam sem o menor pingo de vergonha a foice e o martelo estampados no fundo vermelho do sangue que amparou Estaline, Ceausescu ou Mao Tsé-Tung nas suas purgas e eliminações sumárias pela imposição do socialismo.
Obama, como parece óbvio, estará apenas como observador. Até ao juramento presidencial que ocorrerá nas escadas do Capitólio no próximo dia 20 de Janeiro (o famoso Inauguration Day) não disporá de qualquer função executiva e prescindirá, certamente, dos conselhos paternalistas de Mário Soares: cuidado com os papões, filho, eles arrebanham-te ao primeiro sinal de fraqueza. O bom filho dir-lhe-ia: não te preocupes papá. O Savimbi foi assassinado no mato, o Craxi morreu às portas do deserto – na Tunísia fugido à justiça italiana, que o condenara a 27 anos de cadeia por corrupção –, e o Chávez não vem porque, sentado em cima de um barril de petróleo, joga ao campo minado no Windows português do Magalhães, oferecido pelo mano com nome de filósofo famoso, que não escreveu uma única linha.

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